Henrique Vieira Filho
Henrique Vieira Filho

Henrique Vieira Filho é jornalista, escritor, terapeuta, sociólogo, artista plástico, agente cultural, diretor de arte, produtor audiovisual, educador físico, professor de artes visuais, pós-graduado em psicanálise e perícia técnica de obras de arte.

Colunas

A Festa e as Muitas Nações do Brasil

Já parou para pensar em todas as "nações" que formam o Brasil? Na minha nova crônica para O Serrano, trago uma reflexão bem-humorada sobre a "Festa das Nações" em Serra Negra e a rica cultura dos nossos povos originários.

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A Festa e as Muitas Nações do Brasil
Sereia Marubo - Arte: Henrique Vieira Filho

A programação da "Festa das Nações", aqui em Serra Negra, foi um verdadeiro passaporte carimbado em tempo recorde. 

Da Itália, vieram as massas que nos fazem suspirar; da China, o dragão que serpenteava entre os curiosos; dos Estados Unidos, o rock’n’roll que embalou muitos corações serranos; e da Rússia, bem… digamos que a vodka ficou para uma próxima. 

Uma bela salada de culturas, sem dúvida. Mas confesso que senti falta de um item no cardápio, de uma apresentação no palco. Imaginem só: depois do grupo de tarantella e antes da banda de blues, um círculo de dançarinos guaranis e o ritmo tribal. Ou então, no lugar da barraca de pastel, uma tenda oferecendo panqueca de mandioca e um bom chimarrão, cortesia da "nação guarani-kaiowá". E por que não um espaço para apreciarmos a arte plumária da "nação xinguana", tão rica e expressiva quanto qualquer pintura renascentista? 

Quem sabe, para uma próxima edição, a festa inclua um toque ainda mais brasileiro, mostrando que a diversidade começa em casa. Afinal, podemos ou não considerar os povos originários como uma “nação dentro de outra nação”?

Essa mesma pergunta ecoou em meus pensamentos enquanto a praça fervilhava com ritmos e sabores de além-mar. E talvez essa pequena "pulga atrás da orelha" tenha sido, de certa forma, um catalisador para as recentes exposições que tivemos aqui na Residência Artística. Primeiro, "Um Passeio pelas Cores do Mundo", onde minhas telas buscaram homenagear diversas culturas através da linguagem universal das cores. Mas logo senti que faltava um olhar mais atento para as cores que tingem a nossa própria história, para as formas que expressam a alma da nossa terra.

Foi assim que nasceu a exposição "Cores da Terra, Formas da Alma: A Expressão Indígena em Serra Negra", uma imersão na riqueza da cultura indígena brasileira, que teve a honra de receber a inspiradora ativista Kena Marubo. Seus relatos e sua força foram como um pincel guiando minhas mãos, dando vida a novas obras, apoiadas pelos editais da Lei Aldir Blanc.

Uma dessas obras retrata a força de Lindóia, figura emblemática da nossa literatura. E outra, ainda em fase de finalização, mas que em breve estará disponível ao público, que mergulha nas profundezas de uma fascinante narrativa Marubo: a lenda das mulheres-peixe da Amazônia. 

Coincidentemente (ou seria o "Mermay" conspirando?), maio é o mês mundial dedicado às sereias, e essa pintura, que estará em destaque em nossa próxima exposição no dia 30, celebra essa conexão mágica entre o mundo aquático e o imaginário popular.

As narrativas dessa cosmogonia Marubo, tão ricas em detalhes que são ensinadas às crianças em forma de canto pelo Romeyá, o xamã, me transportaram para um universo de visões e transformações. 

Vimi Peya, o herói mítico da cultura Marubo, em sua jornada ao mundo das águas, desposa as encantadoras mulheres-peixe Machin Mashe e Machin Rani, aprendendo os segredos dos rios, onde a tribo de homens-jacarés lhe ensinaram a arquitetura das malocas (habitações de palha), a desenhar os kenes (grafismo tribais para pintura corporal e adornos artesanais) das água e os segredos medicinais das plantas, tornando-se um sacaca (curandeiro).

Confesso que, enquanto pincelava as escamas brilhantes dessas sereias da Amazônia, imaginava como seria interessante se a "Festa das Nações" abrisse espaço para essas narrativas ancestrais, para esses cantos que ecoam a alma nativa do Brasil. 

Quem sabe, na próxima edição, além de admirar um dragão chinês, possamos também, nos encantar com a dança da Iara, lenda também ligada às águas e tão rica quanto qualquer conto de sereia européia.

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