Por Ibraim Gustavo Santos
“Num fértil campo do soberbo Douro,
Dormindo sobre a relva descansava,
Quando vi que a Fortuna me mostrava
Com alegre semblante o seu Tesouro.
De uma parte, um montão de prata e ouro
Com pedras de valor o chão curvava;
Aqui um cetro, ali um trono estava,
Pendiam coroas mil de grama e louro”
Da distante Vila Rica, o ouvidor da Coroa Portuguesa testemunhava a recente prosperidade da região das Minas Gerais advinda da descomunal exploração do ouro brasileiro, que atravessava o oceano para abrilhantar palácios e igrejas europeias. Mais que admirar a riqueza do metal nobre, os sonetos de Tomás Antônio Gonzaga se deleitavam nas maravilhas vistas no cerrado mineiro.
250 anos depois, carros aceleram alternando entre as dobras das poucas curvas e as intermináveis linhas retas das estradas que levam o viajante entre uma cidade mineira e outra. A paisagem é deslumbrante, banhada por um cerrado dourado, ora cercada por campinas largas, ora abraçada por montanhas que anseiam tocar o céu.
Muito mais perto de casa, porém, a mesma sensação é vivida por quem avança até o extremo sul do Bairro da Serra, vencendo os quilômetros da Rota Turística do Café, onde o mesmo panorama de cercas de arame sustentadas por ripas de madeiras e silos de grãos se estende pelos sítios, fazendas e pela Estrada Municipal Amatis José Franchi, no limite com Lindóia-SP.
“Serra Negra é um dos lugares mais interessantes do estado de São Paulo, devido à presença da floresta de Mata Atlântica e da área de Cerrado aqui do lado, fazendo com que esta seja uma área de transição entre esses dois biomas, angariando uma enorme biodiversidade que convive nessa união. E o bioparque está localizado bem no meio dessa região, com uma importância gigantesca para a comunidade local. Primeiro, porque é uma área para a educação ambiental. Então, aqui nós podemos receber escolas para fazer várias atividades, tanto nas salas de aula para a realização de palestras, quanto nas áreas de trilha e visitação aos animais. Vale destacar que muitos deles foram resgatados do tráfico, e são importantíssimos para a educação ambiental e também para a conservação. O Bioparque funciona, inclusive, como um centro de conservação, pois recebemos esses animais, alguns deles ameaçados de extinção, para viverem aqui. Portanto, apesar de ainda não ser o nosso intuito, além da educação ambiental, o Bioparque pode se transformar num reprodutor dessas espécies. Ainda não é a nossa ideia, mas é possível”, conta Marcelo Tonini, biólogo responsável pelo Bioparque Serra Negra, localizado no km 15 da estrada principal do Bairro da Serra. O local luta para preservar uma importante biodiversidade brasileira, especialmente da região geográfica onde está o município de Serra Negra.
Mais que isso, o parque é um empreendimento de ação integral, que pretende contribuir para o crescimento econômico do município, de maneira sustentável: “Nós temos o intuito de divulgar a conservação com a capacidade de gerar emprego e renda. O bioparque realiza um trabalho integral: emprega várias pessoas, divulga a conservação e conserva uma área, mostrando que é possível, sim, gerar emprego e renda com floresta. Toda a área onde hoje está localizado o Bioparque havia sido completamente desmatada, e hoje, a floresta foi completamente recuperada. Além dela, que tem apenas 50 anos de idade, realizamos um trabalho de recuperação das sete nascentes existentes no local, indicando que a floresta recuperada pode gerar emprego, renda, sustentabilidade, educação e também melhoria na qualidade de vida ambiental, porque neste espaço abrigamos, ao mesmo tempo, água mineral, plantas, insetos e animais que vivem aqui e melhoram a qualidade de vida das pessoas do entorno. Como exemplo eu cito as andorinhas que vivem aqui no Bioparque, e que comem o mais perigoso animal que existe no planeta, que são os pernilongos. Todo mundo morre de medo de cobra e onça quando, na verdade, os pernilongos transmitem 128 doenças aos seres humanos. E as aves que moram aqui se alimentam desses pernilongos, reduzindo muito o impacto no entorno”.
Marcelo Tonini é Biólogo formado pela UNESP de Rio Claro-SP, mestre em zoologia com ecologia de população de aves. Atuou como professor convidado da USP de Piracicaba-SP por 15 anos, lecionando a disciplina de manejo de fauna, e como consultor ambiental. Atualmente, é educador ambiental no Bioparque.
Existe uma máxima que afirma que a floresta em pé gera muito mais valor e riqueza que deitada, uma eloquente crítica ao desmatamento, argumentando que a preservação da mata possibilita incontáveis formas de geração de emprego e renda, como pesquisas para fármacos e cosméticos, energia verde, novos alimentos e muitas outras perspectivas: “E muitos outros fatores que as pessoas precisam entender. Dentro de uma floresta existem incontáveis recursos naturais que nós podemos usar através do manejo sustentável, como é o caso dos cipós, que podem virar artesanato, ou das sementes, folhas e raízes, que podem ser desenvolvidas como remédios, óleos e resinas. Existem 20 mil espécies de plantas nativas da Mata Atlântica, e dentre elas, as PANCs (Plantas Comestíveis Não Convencionais), que podem ser desenvolvidas e virar produtos alimentícios para os humanos. Sem falar das frutas. O Brasil tem cinco mil tipos de frutas, e ao visitar o supermercado, encontramos apenas 15 variedades delas”, comenta Tonini, que afirma que muitas pessoas podem não concordar com o que ele fala, mas ele defende a utilidade da floresta para a humanidade: “Ela precisa ser utilizada. As pessoas precisam entender que uma agrofloresta cultivada pode produzir renda, sustentabilidade e vida. Os animais vão viver ali, vão se adaptar àquela situação, de maneira infinitamente melhor do que um pasto ou numa produção monocultural, que é mecanizada e emprega poucas pessoas. A agrofloresta, ao contrário, precisa de muita gente trabalhando na produção desses produtos, além de uma infinidade de outras atividades empreendedoras”, defende o biólogo.
Uma delas, é o próprio turismo, com segmentos específicos para os mais variados fins, como o crescente Bird Watching, que é o turismo de observação de pássaros, uma modalidade turística e econômica que vem se espalhando pelo Brasil, e já chegou ao Circuito das Águas nos municípios de Pedreira-SP e Amparo-SP: “O Birdwatching é um dos melhores modelos de negócios para o turismo rural atualmente, porque o turista paga um excesso financeiro bastante rentável para toda a cadeia: ele contrata o guia para acompanhá-lo durante as atividades, o ingresso para o programa, o meio de hospedagem, o transporte, a alimentação, entre tantas outras formas de gerar renda. Essa, aliás, é uma gigantesca fonte de renda para guias turísticos e outros profissionais e empreendimentos do setor, havendo no planeta todo uma economia gigantesca nesse sentido, movimentando atualmente 20 bilhões de dólares por ano, e aquecendo diversos setores e profissionais, como fotógrafos, pesquisadores, colecionadores, entre outros. Existem nesse ramo todo tipo de pessoas interessadas: amantes de natureza, que vem para fotografar uma única espécie; colecionadores de lifers, que registram muitas espécies de pássaros para reunir figurinhas; ou ainda aquele observador que permanece horas sentado aguardando o momento certo para fazer o registro. Todos eles geram uma enorme quantidade de dinheiro, especialmente turistas estrangeiros que vêm com muita disposição financeira para investir dinheiro nessa atividade. E Serra Negra tem muitos ambientes e biomas, além de ecossistemas variados, onde a biodiversidade é grande para esse fim. Não é um só o local onde o turista está que vai ganhar dinheiro com o Birdwatching. Quando o turista vêm para o Bioparque fotografar, ele descobre que tem uma ave especial aqui no vizinho, e pode ir até lá conversar e oferecer dinheiro como forma de ingresso na propriedade para fotografar aquela ave”, salienta Marcelo Tonini.
Ele comenta ainda que a natureza é um produto que pode ser usado: “É lógico que precisamos respeitar, mas a natureza pode gerar emprego e renda para as famílias porque ela é muito rica. Eu mesmo acompanhei um homem que veio ao Brasil para fotografar uma única espécie de beija-flor. Ele permaneceu aqui por dois dias apenas, mas foi o suficiente para movimentar mais de 10 mil dólares, com passagem aérea, hospedagem, alimentação e o guia. Eu trabalhei duas horas apenas com ele e faturei dois mil dólares. O Birdwatching é um produto que gera melhorias ambientais e sociais, pois a observação de aves estimula pessoas através de grupos que criam laços, e melhorias para o bem-estar, já que movimenta pessoas, que movimentam o corpo e a mente, diminuindo, inclusive, os problemas de saúde”.
Além da observação de aves, o parque serrano abre as portas para outras modalidades de Ecoturismo, inclusive com atividades de educação ambiental voltada especificamente para grupos de escolas: “O parque tem muitas árvores nativas que atraem insetos, borboletas, gerando também um turismo de observação de insetos, como as borboletas. Além disso, o parque está construindo um zoológico, que deve abrir ao público no final deste ano de 2025. Esses animais foram resgatados tanto do tráfico quanto de outras situações, e a amostra deles pretende movimentar a educação ambiental, com escolas que poderão trazer suas crianças e jovens para visitar o parque. O trabalho com grupos escolares depende da quantidade de alunos. Se for um grupo muito grande, uma parte faz a refeição enquanto outra a visita, e depois acontece a troca. E sempre fazemos o alerta quanto a pequenas subidas e descidas. Mas aqui, uma brincadeira que eu faço é que usamos uma engenheira muito boa para fazer o caminho: a vaca. O caminho que estamos percorrendo é o mesmo que o gado fazia, por isso ele é consideravelmente mais fácil, pois o gado só se movimenta pelo trajeto mais fácil para ele. Antigamente, a área do Bioparque foi um pasto que foi abandonado, e nesse processo de abandono, o gado que visitava a região deixou caminhos. A natureza sempre ensina, ela, na verdade, faz tudo. A nossa tarefa é observar e aprender a usar”.
As visitas ao Bioparque podem ser feitas por meio de agendamento, com o guia monitorando o percurso e explicando todo o percurso, ou espontaneamente. Neste segundo caso, o parque está aberto aos finais de semana e feriados. Já para as visitas monitoradas, o interessado pode agendar para qualquer dia da semana, inclusive para grupos de no mínimo cinco pessoas.
Enquanto passa pela trilha, mesmo uma pessoa leiga que observa o formato das árvores, das folhas, das plantas, vai percebendo que tem uma infinidade de variedades no parque. Segundo levantamento, existem 500 espécies de plantas e árvores no local. Mesmo sendo um número expressivo, Marcelo Tonini afirma que, comparado ao que existia antes, o índice é muito inferior devido à destruição provocada naquela região ao longo de décadas, com áreas desmatadas e queimadas, reduzindo drasticamente a biodiversidade do local: “Mesmo assim, 50 anos depois, temos aqui 500 espécies. Nós plantamos, voluntariamente, 20 mil mudas de espécies nativas que incrementam e enriquecem o espaço. É importante dizer que antes de se fazer o reflorestamento, sempre é feito um levantamento do local para saber quais espécies plantar, não sendo indicado reflorestar com qualquer espécie, já que isso pode provocar um impacto gigante na região”.
Estas linhas têm o costume de voltar décadas no passado - séculos, até - para contar partes da história que não foram relatadas e que merecem não ser esquecidas. Esse trabalho, de certa forma, funde-se a uma das inúmeras atividades possíveis de serem praticadas no Bioparque, que regressa ao passado para não deixá-lo morrer, e provar que ele se estende para muito além do que poderíamos supor: “Nós procuramos mostrar algumas curiosidades e informações da região. Há várias coisas interessantes aqui e, por isso, estamos montando um museu de história natural que pretende ilustrar o passeio para os turistas e para as escolas, que poderão ver peças, animais e outras informações relacionadas à biologia, ecologia e à educação ambiental. Temos uma exposição arqueológica com algumas peças de 10 mil anos de idade, que foram encontradas nas redondezas de Socorro-SP, e que foram descritas por um arqueólogo como instrumentos milenares utilizados por povos originários, como pontas de flecha trabalhadas à mão, com datação de 10 mil anos. Temos rochas que eram utilizadas para descarnar, desossar e para tirar peles e a carne de animais abatidos, verdadeiras ferramentas usadas para corte, funcionando como machado e martelo, tanto para cortar árvore, quanto para esmagar uma raiz ou ainda fazer um corte de um animal. Ou seja, estamos falando do período pré-colonial, a partir de 1.500 anos no passado. Há exposta aqui também uma raiz que conta uma situação muito interessante, pois os povos originários sabiam que, quando queimadas, raízes de determinadas plantas eram endurecidas e utilizadas para cavar. Então, eles criaram ferramentas bastante rústicas, mas extremamente úteis”, avalia o pesquisador.
Demos início à série “Serra Negra Para os Serranos” a partir da fazenda da Família Silotto, que produz vinho e cachaça no Bairro das Três Barras, o berço da Rota da Fundação. E a região leva esse nome, justamente porque a história serrana nos conta que ali o município de Serra Negra foi fundado, em 1828, há exatos 197 anos. Para o pesquisador Marcelo Tonini, a data padece de um pequeno equívoco, não em relação propriamente à fundação do município, mas ao momento em que os primeiros seres humanos chegaram para habitar essa região, indo além - muito além - dos dois séculos, desde a chegada de Lourenço Franco de Oliveira. Isso porque, as ferramentas citadas por ele foram encontradas justamente por essas bandas, o que comprova a existência de homens primitivos que habitaram a região há, pelo menos, dez mil anos: “Segundo um pesquisador que trabalhou conosco, essa era uma região onde passavam diversas etnias, como os Guarani e os Kaingang, que vinham do sul, no inverno, para procurar alimento e abrigo, sítios onde eles pudessem encontrar essas rochas que, para eles, eram muito especiais para fazer o manejo. Por meio da cultura que era passada através das gerações, eles migravam para essa região especificamente, pois era sabido que aqui eles poderiam trabalhar manualmente essa pedreira. Por ser uma área muito rica em caça, em floresta e por possuir essas rochas, podemos calcular, portanto, que essa região recebeu a passagem de originários há, no mínimo, 10 mil anos”.
E é naquele espaço onde a história floresce que o visitante inicia o percurso dentro do Bioparque Serra Negra, onde inúmeras curiosidades aguardam os visitantes, incluindo toda a sabedoria da natureza. Conhecimento esse que, por meio da mimetização, o ser humano reaproveita em seu cotidiano: “O Bioparque recebe os turistas na portaria, e depois descemos para este espaço onde estão as amostras. Quando a visita é monitorada, fazemos uma pequena explanação sobre elas, além de comentar outras curiosidades que encontramos na trilha, pois as situações ali dentro variam a depender da época do ano e da estação. Então, às vezes é primavera, tem bastantes insetos e borboletas. Na época de chuva, falamos sobre os cogumelos. Nós apresentamos aquilo que mais aparece no momento da visita, sem abrir mão de uma explanação mais ampla, abrangendo várias situações curiosas possíveis que podem ser vividas aqui. Eu, por exemplo, aproveito para mostrar como a floresta pode nos oferecer itens que se tornam produtos úteis para nós, como plantas que viraram comida ou remédio, outras que viraram produtos diversos, como o velcro. A estrutura do carrapicho deu origem ao velcro, num processo utilizado por biólogos e outros cientistas chamado de mimetização. A natureza possui uma riqueza de conhecimento que pode nos beneficiar e aprender com. Outro exemplo é o papel. Temos aqui uma casa de vespa, também chamada de marimbondo, que pega a casca da árvore, raspa e mistura com a própria saliva para fazer seu ninho, que nada mais é que a estrutura do papel utilizado por humanos. Ou seja, podemos dizer que a vespa inventou o papel, e que nós aprendemos com ela. Resumindo meu ponto: os animais estão na natureza há milhões de anos. Eles já melhoraram, aprenderam, desenvolveram e evoluíram para fazer o melhor naquele momento, naquela era. Portanto, em vez de inventar algo absurdamente contrário, podemos nos inspirar naquilo que a natureza já fez, que ela já melhorou e desenvolveu há milhões de anos, e aplicar aquilo para melhorar a nossa vida”.
Tonini dá outros exemplos de como os demais seres vivos podem ensinar a humanidade a lidarem melhor com sua adaptação à cada período da existência na natureza: “Por exemplo, na natureza não existe casa quadrada, é sempre tudo redondo, porque esse é um formato que permite a circulação do ar, melhorando a qualidade ambiental devido à diminuição do consumo de energia. Já o seu humano, constrói apenas casas quadradas, utilizando aço e concreto, e isso é errado, pois não vemos isso na natureza. Deveríamos usar o conhecimento da natureza e produzir ambientes iguais ao que ela produz. O material utilizado para construir uma casa, quando demolido, vira lixo, veneno, porque o aço e o ferro contaminam o solo. Agora, se fabricássemos uma casa de pau a pique, taipa, pilão ou outras maneiras usando barro e misturando com fibras todo esse material natural, um dia se transforma em adubo, em matéria orgânica. Fato é que, ao aprender com a natureza, podemos melhorar nossa qualidade de vida”, explicou.
O biólogo comenta que, com a implementação de um zoológico no parque, que acontecerá em breve - projeto inédito na história de Serra Negra - haverá a possibilidade de se fazer dois tipos de passeios distintos: “Com a criação do zoológico, teremos dois passeios diferentes: um passeio para ver a floresta e os animais, e o segundo para ver somente os animais. O Bioparque já está de posse para colocação nos recintos que estão em construção os seguintes animais: papagaios, tucanos, araras, seriemas, veados, jabutis, cágados e, provavelmente, um casal de bugio, que farão parte da primeira fase do projeto. Haverá ainda uma segunda etapa, com outros animais em novos recintos”.
O Bioparque Serra Negra já realiza seu trabalho há alguns anos. Apesar disso, apenas a partir de 2019 é que o local, por meio de um trabalho de divulgação mais recente, especialmente com escolas e nas redes sociais, abriu as portas para receber o público: O Bioparque existe há 16 anos, sendo aberto ao público há 6. Esse não é um espaço público, é privado. O proprietário é um veterinário que teve a ideia de criar um parque com trilhas para mostrar a educação ambiental e a conservação, e, com ajuda da família, comprou a área e construiu esse espaço (‘essas são mosquinhas que comem frutas’ - apontou Tonini enquanto avançávamos pela trilha). Enquanto construía o local, ele pensou em receber animais resgatados, já que atualmente existe uma gigantesca demanda de disponibilizar esses animais que não tem como retornar à natureza por terem desaprendido a viver ali. Entre eles, estão os animais mais ‘bonitinhos’, grandes, chamativos e mais famosos, com grande interesse financeiro, como araras, papagaios e tucanos, que têm uma visibilidade maior. Papagaio, por ser um animal extremamente inteligente; tucano, por ser bonito e fácil de criar. Existem alguns deles aqui, que foram recuperados, mas estão na área técnica, e, infelizmente, não é possível visitá-los”.
O biólogo também fala dos grupos de visitantes que frequentam o parque: “Recebemos grupos de turistas, de ciclistas e de caminhada, além de escolas e faculdades. Essas pessoas nos procuram através do WhatsApp, entram em contato, agendam e planejam a viagem, e nos informam sobre suas demandas e necessidades, a fim de atendê-los. Nós temos a disponibilidade de cozinha, podendo trazer almoço, ou consumir os produtos feitos aqui e vendidos em nossa lanchonete para fazer piquenique e se alimentar. Temos também uma sala de aula para palestras e outras atividades interativas, além, é claro, de uma trilha bem grande, uma área para pesquisa e atividades de estudo do meio, somando 28 mil metros quadrados. Oferecemos palestras, cursos e workshops dos mais variados temas, como fotografia, curso de primeiros socorros, capacitação para monitores ambientais, entre outras ações que, de fato, já foram realizadas aqui. Recebemos aqui também pessoas para fazer yoga, caminhada, corrida e meditação, disponibilizando uma ampla capacidade de negociação. Infelizmente, nós não temos hospedagem aqui dentro, porém, há muitas pousadas nas redondezas que podem fazer parcerias para oferecer preços mais justos, mais baixos, mas aí demanda negociação”.
“As mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. Essas mudanças podem ser naturais, como por meio de variações no ciclo solar. Mas, desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás”.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), alguns dos principais e mais preocupantes efeitos das mudanças climáticas são: temperaturas mais altas; tempestades mais severas; aumento da seca; oceanos cada vez mais quentes e maiores; perda de espécies; diminuição da quantidade de alimento disponível; mais riscos para a saúde; e pobreza e deslocamento.
Talvez, pelo inenarrável privilégio de morar em Serra Negra, uma região cercada por árvores e banhada por água mineral, seja mais difícil para quem aqui reside perceber essas alterações no dia a dia, exceto pelo testemunho de muitas pessoas que relatam um aumento no nível da temperatura nos últimos anos em comparação há décadas no passado. Ainda assim, Tonini garante que o aquecimento global está mais próximo de nós do que imaginamos. “Nós tivemos aqui na frente um tornado em janeiro de 2023, que atravessou o parque e provocou uma devastação gigantesca, afetando diversas áreas, e causando destruição numa enorme quantidade de plantas e árvores, que caíram com a força dos ventos, danificando também todas as estruturas do empreendimento. Esse tornado é uma prova evidente que as mudanças climáticas estão acontecendo, já que Serra Negra não tem registro histórico de tornado”, relatou Marcelo Tonini enquanto nos aproximávamos de uma clareira aberta pelo fenômeno: “Aqui um exemplo claro que usamos como educação ambiental: neste espaço foi onde aconteceu o tornado, e isso que estamos vendo é uma clareira, um processo natural provocado pela queda das árvores. A árvore velha e grande acaba quebrando com o vento, com ação de parasitas, doenças e outros fatores e, ao cair, ela derruba cipós e outras árvores pequenas do entorno, abrindo um espaço para a luz solar invadir a floresta que já estava bem escura. Essa luz alimenta diversas outras arvoretas jovens que estavam ao seu pé. A árvore grande morre, outras ocupam o seu espaço, ocasionando a sucessão ecológica e a regeneração de matéria orgânica. O tronco da árvore morta serve de hospedeiro para insetos e outros animais, e, sim, temos uma floresta nova crescendo, abrindo espaço para gálias e outros parasitas de folhas. Temos, portanto, todo um processo de regeneração da vida da floresta com a queda de uma árvore, com a clareira natural. Porém, neste caso específico, o que aconteceu foi que essa árvore caiu devido ao tornado do ano retrasado, quando tivemos um período de chuvas muito fortes que derrubaram essas árvores”.
O biólogo defende que a natureza existe de maneira funcional há muito tempo, atravessando as eras: “Há cerca de um bilhão de anos, e isso fez com que a floresta, a fauna e a flora acabassem se melhorando, melhorando, melhorando. Por isso que eu insisto que precisamos aprender com a floresta, porque ela existe há tanto tempo que todo nosso aprendizado deve se basear nela, por ela já ter feito tudo antes, num grande ensaio. É claro que nem sempre a evolução vai para um caminho melhor, mas, às vezes, dá certo, esse caminho errado, pode dar certo. Existe um processo natural de desenvolvimento da floresta que nos revela uma sobrevivência muito mais forte, uma capacidade muito melhor de se adaptar à mudança”.
E quando questionado acerca dos impactos do homem em relação a essas transformações da natureza, o biólogo é categórico: “Ah, o homem acaba atrapalhando muito! Só para se ter uma ideia, o simples caminhar dentro de uma floresta pode transmitir vários tipos de fungos aos anfíbios. Sim, nosso sapato, que utilizamos para andar na cidade, em locais sujos, pode trazer fungos fatais a anfíbios. Inclusive, percebemos a queda drástica no número desses animais no planeta após essa transposição de fungos asiáticos para o entorno de uma área de floresta. Além desse, há muitos outros exemplos, como os impactos das queimadas, dos poluentes, dos carros e até dos barulhos”.
E aquilo que tanto foi importante para o nosso desenvolvimento como humanidade, que para nós é indispensável, também pode provocar sérias consequências à fauna e à flora: “Não fazemos ideia do impacto que o wi-fi faz à floresta e aos animais. Simplesmente não sabemos se o wi-fi prejudica ou não algum tipo de animal. Em relação à realização dos animais, o passarinho, por exemplo, tem uma respiração três vezes mais forte que a nossa. Agora, se esse bicho vive em São Paulo, o que ele não está desenvolvendo? O ser humano polui o ar, libera agrotóxicos absurdos na natureza, que são, aliás, proibidos no mundo inteiro. Imagine o que esse agrotóxico não tem feito para nós, para nossa saúde”.
O Bioparque Serra Negra já realiza seu trabalho há alguns anos. Apesar disso, apenas a partir de 2019 é que o local, por meio de um trabalho de divulgação mais recente, especialmente com escolas e nas redes sociais, abriu as portas para receber o público: O Bioparque existe há 16 anos, sendo aberto ao público há 6. Esse não é um espaço público, é privado. O proprietário é um veterinário que teve a ideia de criar um parque com trilhas para mostrar a educação ambiental e a conservação, e, com ajuda da família, comprou a área e construiu esse espaço (‘essas são mosquinhas que comem frutas’ - apontou Tonini enquanto avançávamos pela trilha). Enquanto construía o local, ele pensou em receber animais resgatados, já que atualmente existe uma gigantesca demanda de disponibilizar esses animais que não tem como retornar à natureza por terem desaprendido a viver ali. Entre eles, estão os animais mais ‘bonitinhos’, grandes, chamativos e mais famosos, com grande interesse financeiro, como araras, papagaios e tucanos, que têm uma visibilidade maior. Papagaio, por ser um animal extremamente inteligente; tucano, por ser bonito e fácil de criar. Existem alguns deles aqui, que foram recuperados, mas estão na área técnica, e, infelizmente, não é possível visitá-los”.
O biólogo também fala dos grupos de visitantes que frequentam o parque: “Recebemos grupos de turistas, de ciclistas e de caminhada, além de escolas e faculdades. Essas pessoas nos procuram através do WhatsApp, entram em contato, agendam e planejam a viagem, e nos informam sobre suas demandas e necessidades, a fim de atendê-los. Nós temos a disponibilidade de cozinha, podendo trazer almoço, ou consumir os produtos feitos aqui e vendidos em nossa lanchonete para fazer piquenique e se alimentar. Temos também uma sala de aula para palestras e outras atividades interativas, além, é claro, de uma trilha bem grande, uma área para pesquisa e atividades de estudo do meio, somando 28 mil metros quadrados. Oferecemos palestras, cursos e workshops dos mais variados temas, como fotografia, curso de primeiros socorros, capacitação para monitores ambientais, entre outras ações que, de fato, já foram realizadas aqui. Recebemos aqui também pessoas para fazer yoga, caminhada, corrida e meditação, disponibilizando uma ampla capacidade de negociação. Infelizmente, nós não temos hospedagem aqui dentro, porém, há muitas pousadas nas redondezas que podem fazer parcerias para oferecer preços mais justos, mais baixos, mas aí demanda negociação”.
As mesmas linhas retas de paisagem banhada pelo áureo cerrado mineiro, leva o viajante a um dos capítulos mais indecentes da história brasileira. O convite para visitar as minas de ouro e diamante localizadas na antiga Vila Rica, atual Ouro Preto, em Minas Gerais, é uma verdadeira aula de história. Ao adentrar as escavações subterrâneas, o visitante é levado para quase trezentos anos no passado, quando africanos foram trazidos para trabalhar nessas obras, com o intuito de saquear o Brasil, destinando grande parte de sua riqueza natural para a Europa, ornamentando igrejas e palácios reais do Velho Continente.
E é em uma dessas visitas que compreendemos um equívoco linguístico, com profundos impactos morais que revelam muito do nosso passado, e que influencia até os dias de hoje. “Não existem escravos. Nunca existiram escravos no Brasil, e nem em nenhum lugar do mundo. Simplesmente porque a escravidão não é uma condição de vida. O que vimos no Brasil e em todo o globo são pessoas escravizadas”. Ao salientar essa aparente pequena divergência, o guia turístico da Mina do Chico Rei, em Ouro Preto, expõe como ainda estamos longe de compreender um dos maiores problemas sociais já vistos na história da humanidade.
Entender o conceito de escravização é fundamental para quem deseja ter os olhos abertos para enxergar com clareza a imoralidade abominável que assolou nosso país por séculos. É crucial ter sedimentado na mente de que ninguém nasce escravo. O que existem são seres humanos livres, que foram escravizados para atender o execrável desejo de uma minoria aristocrática europeia.
A parte ainda mais triste da história é saber que não é necessário percorrer as campinas mineiras para ter contato direto com essa ignominiosa realidade que nos confronta: “Aqui a gente tem um limoeiro. Isso. Isso que você está vendo é uma prova da escravidão dos povos que foram escravizados aqui no Brasil. O que acontecia? A região foi plantada o café e os escravos trabalhavam aqui. E eles eram obrigados a beber água do rio. Eles não tinham água limpa que vinha com eles. E ao beber essa água do rio, do riacho, eles acabavam contraindo diarreia e tendo problemas de saúde, inclusive até morrendo disso. Então eles, muito sabiamente, eles plantavam esses limões. Esse é o limão cravo. Esses pés de limão, próximos à água onde eles almoçavam, onde eles bebiam água, eles eram utilizados para diminuir os micro-organismos da água. A limonada era uma forma de você diminuir os impactos da diarreia nas pessoas".
Por favor, toque! Ao longo do percurso, o visitante do Bioparque é convidado não somente a observar as belezas da natureza, mas a interagir com ela - e se quiser abraçar, fique à vontade: “Eu falo para as pessoas, sempre que você puder dar uma olhadinha, não tem nenhum bicho, nenhum inseto, pode abraçar. São interações incríveis, né? Plantas, animais, que transmitem uma energia muito grande. Quando as pessoas falam que vão à floresta porque se sentem bem, isso tem uma explicação química, biológica, muito fácil de interpretar. As plantas respiram constantemente. Então, elas estão liberando microgotículas de água. Essa água é carregada energeticamente com íons positivos. Não é fantasia, não é brincadeira".
A recomendação é que seja feito um passeio literalmente orgânico pelas trilhas do parque. Em Biologia, compreende-se orgânico como algo que se desenvolve naturalmente, sem influências externas ou com o mínimo de impacto delas nessa experiência. Essa mesma proposta deve ser levada para as ruas de terra do Bioparque. Portanto, o convite é que o peregrino faça seu passeio prestando o máximo de atenção aos sinais emitidos pela natureza.
Nos últimos anos, alguns dos restaurantes mais caros e famosos do mundo incluíram receitas elaboradas com cogumelos. Risotos, massas e outras opções de pratos dão a possibilidade de incluir os fungos na dieta, principalmente para quem é praticante do vegetarianismo ou do veganismo, já que muitos deles possuem alto índice proteico, entre outras benesses para a saúde humana. Poucos metros à frente na nossa caminhada, avistamos uma área de cogumelos, com uma extensa variedade deles à vista.
Mas além de serem utilizados para o preparo de pratos, algumas variedades de cogumelos são usadas para inúmeros outros fins, incluindo para o uso medicinal, devido ao seu alto teor de vitaminas e antioxidantes, que contribuem para fortalecer o sistema imunológico. Eles são também fundamentais para a manutenção do meio ambiente, servindo como decompositores de matéria orgânica, reciclando nutrientes para o solo e sustentando o ciclo da vida. E o leitor/ouvinte imagina quantas espécies deles existem no planeta? “Nós temos aqui um dispositivo falando sobre cogumelos. Essas fotos foram todas tiradas aqui no parque. Nós temos uma variedade gigantesca de cogumelos aqui na região. Esses cogumelos no planeta, nós conhecemos 120 mil espécies. Os cientistas calculam 3,8 milhões. Muita coisa, é isso mesmo. Esses cogumelos, eles têm uma infinidade de técnicas para liberar sementes, que a gente chama de esporos. Aquele lá amarelinho, ele brilha à noite para enganar o vagalume. Brilhando igual a fêmea, o macho vem ali, se suja dos esporos e leva para longe".
Diversas espécies de plantas e árvores são encontradas no local, e quando acompanhados pelo biólogo do parque, os visitantes conseguem tirar suas dúvidas em relação à elas, e são instigados a, mais uma vez, interagirem com a natureza: “É uma planta primitiva chamada briófita. Está apoiada no tronco da árvore, ela é uma planta chamada de epífita, ela cresce sobre outras plantas. Ela é uma briófita, é uma planta primitiva, ela só se reproduz na chuva. Milhões de anos atrás não existiam essas plantas angiospermas e giminospermas. As briófitas e outras plantas foram as primeiras a ocupar a terra. Ocuparam agora elas estão assim, elas vivem em cascas de árvores ou rochas no solo", ensina o biólogo.
Algumas placas ostentam a inscrição “área restrita”, e têm um propósito específico, que visa proteger alguns setores da invasão humana para uma ocasião muito especial: “Bem aqui à nossa frente vai ser construído um recinto que vai ocupar uma área não reflorestada que servirá de abrigo para um determinado animal que pertencerá ao zoológico. Serão vários espaços especiais no parque que seguirão a trilha”. O zoológico será construído a partir de um formato conceitual, com partes espalhadas dentro do Bioparque, e não em um local pré-definido.
Nos aproximando do último terço do percurso, nos deparamos com uma alta torre de observação construída em madeira e concreto. Do topo da estrutura, a seis metros do chão, é possível avistar todo o parque, além de outras áreas das redondezas: “Aqui a gente tem dois caminhos, aqui volta por uma trilha do meio e aqui a direita vai para a torre de observação que, de cima, é possível avistar toda a área do parque".
Marcelo Tonini avalia qual a melhor época do ano para fazer a visita ao Bioparque: “Olha, eu gosto muito do finalzinho do inverno e comecinho da primavera, no início das chuvas, porque é o período em que é possível ver mais cogumelos, mais insetos e mais vida florescendo”, finaliza o biólogo.
E Tonini finaliza dizendo que o morador de Serra Negra tem um privilégio único de ter, ao lado de sua casa, o único Bioparque do país neste formato: “Que eu conheço desse jeito nenhum. Nós temos outros bioparks, outras ideias, igual aqui nenhum. Que tenha uma trilha e um zoo no meio da trilha”.
Agora é hora de deixar a Rota do Café. É possível escolher qual o trajeto de sua preferência: seguindo adiante pela estrada, o caminhante chega à Lindóia e precisa retornar pela Rota Turística da Fundação, acenando para o enorme barril da Vinícola Silotto. Nós, porém, escolhemos retornar pelas campinas que trazem à memória as Minas Gerais. E de volta, vamos passando pela Fazenda Sula - Nata da Serra, pelo Alambique e restaurante Olivotto e pelo Café Nonno Marchi. Seguimos imersos na natureza, na verdade, de onde jamais podemos nos apartar. Agora, porém, resolvemos ter uma panorâmica diferente: das alturas, teremos uma visão diferenciada de Serra Negra, que nos revelará cabalmente as preciosidades desta terra. Seguimos para o Up Balonismo na Serra.
Você pode ouvir essa história, com a entrevista de Marcelo Tonini - e com a participação mais que especial do ator Breno Floriz narrando o soneto de Tomás Antônio Gonzaga - além de ouvir os próximos episódios da série em:
Edição impressa e no portal online do Jornal O Serrano, nas próximas 5 sextas-feiras;
Na Rádio Serra Negra: FM 104,5 mHz / ou no site da rádio, clicando aqui, sextas-feiras, às 10h (reprise às 20h);
Canal do Spotify aqui
Em livro*: ainda sem data para publicação.
Série Serra Negra Para os Serranos:
Roteiro e apresentação: Ibraim Gustavo Santos
Realização: Jornal O Serrano e Rádio Serra Negra
Produção: Freestory