Expresso

Conheça Antero de Quental: o poeta que fez da angústia uma forma de filosofia

Entre o idealismo e o desencanto, autor marcou a literatura portuguesa com versos de profundidade espiritual e lucidez existencial

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Conheça Antero de Quental: o poeta que fez da angústia uma forma de filosofia
O poeta e ensaísta português Antero de Quental, fotografado por volta de 1887 | Acervo Público de Lisboa
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Poucos poetas conseguiram transformar o próprio conflito interior em pensamento universal com tanta intensidade quanto Antero de Quental. Nascido em Ponta Delgada, nos Açores, em 1842, e falecido em 1891, Antero foi uma das vozes mais profundas e inquietas da literatura portuguesa do século XIX. Entre o idealismo e o desespero, a fé e o ceticismo, sua obra reflete a busca incessante por um sentido para a existência.

Além de poeta, Antero foi também filósofo, ensaísta e ativista intelectual. Participou ativamente da chamada Geração de 70, grupo que revolucionou o pensamento português ao discutir temas como socialismo, ciência, espiritualidade e liberdade de pensamento. Ao lado de nomes como Eça de Queirós e Oliveira Martins, questionou os valores tradicionais e propôs uma nova forma de ver o mundo.

Sua poesia, especialmente reunida nos Sonetos Completos, é marcada por uma linguagem depurada e um tom meditativo. Nela, o leitor encontra um homem em luta com o mistério da vida, os limites da razão e o aparente silêncio de Deus. A alma que se confessa nos versos de Antero é a de quem sente, pensa e sofre – uma alma que não se contenta com respostas fáceis.

“Ah! tudo é vão, e só de Deus me resta / O sentimento vago, incerto e triste...”, escreveu em um de seus sonetos mais conhecidos, revelando o eco de uma fé fragmentada pela razão moderna.

Nos primeiros anos, Antero acreditava na transformação social e sonhava com um mundo mais justo. Mas, com o tempo, sua visão tornou-se mais melancólica e filosófica, refletindo o desencanto de quem percebeu os limites das utopias. Ainda assim, mesmo diante do pessimismo, sua poesia nunca perdeu a busca pela pureza interior e pela verdade essencial.

Embora menos popular que Fernando Pessoa, Antero de Quental permanece como um marco na poesia portuguesa, admirado por estudiosos e leitores que veem nele um precursor da modernidade espiritual e existencial. Sua obra atravessa o tempo porque fala de algo que nunca deixa de ser humano: a necessidade de compreender o porquê de existir.

Nos últimos anos de vida, o poeta enfrentou uma profunda crise de saúde e de espírito. Abatido por um sofrimento interior que refletia o mesmo questionamento filosófico de seus versos, Antero de Quental pôs fim à própria vida em 11 de setembro de 1891, aos 49 anos, em sua terra natal. Esse desfecho trágico costuma ser interpretado à luz da crise existencial e espiritual que marcou sua trajetória. Antero sofria de depressão e já há muito expressava em seus escritos uma sensação de cansaço moral e metafísico – a mesma inquietação que aparece em muitos de seus sonetos, onde fala da dor, da busca de sentido e da impossibilidade de encontrar paz no mundo.

Apesar do fim triste, seu legado permanece luminoso: sua poesia é vista como o testemunho de uma alma que procurou compreender o absoluto – e não como o retrato de um simples desespero. Ele nos lembra que até na dor pode existir beleza, reflexão e verdade.

Nesta semana, a recomendação do Jornal O Serrano para os seus leitores é esta: leiam Antero de Quental. Apreciem a simplicidade e a beleza de seus versos – às vezes tristes, filosóficos, às vezes suaves e bucólicos, mas nunca superficiais.

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