Ibraim Gustavo
Ibraim Gustavo

Jornalista, pós-graduado em Marketing, MBA em Comunicação e Mídia, e MBA em Empreendedorismo e Inovação. Empreendedor, é sócio-fundador da Freestory – A primeira plataforma do Brasil de autodescrição com storytelling, IA e IoT. Com formação em Profissões do Futuro (O Futuro das Coisas) e no Programa de Capacitação da Nova Economia (Startse). É também músico, escritor, roteirista e storyteller.

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Serra Negra Para os Serranos: Família Silotto - Onde tudo começou

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Serra Negra Para os Serranos: Família Silotto - Onde tudo começou
Barril gigante na entrada do sítio da Família Silotto abriga um pequeno museu com a história da cidade | Ibraim Gustavo Santos
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Por: Ibraim Gustavo

“Está frio demais, né? Disseram que durante a madrugada fez quase -1ºC. Há quem diga que aqui, nas Três Barras, é o lugar mais frio da cidade”.

A manhã era gelada. O céu, tremendamente azul e sem nuvens, e o sol no alto eram suficientes apenas para abrandar a fúria do frio. A visita se seguia à fatídica madrugada de fim de junho, considerada a mais fria do ano até aquele momento. Rogério, contudo, já estava, logo cedo, com a vassoura na mão, empurrando as folhas secas para o canto, e esperando a chegada dos visitantes que vinham de todas as partes do país: “Serra Negra sempre foi bem no inverno, não tem o que falar. O verão nunca foi o nosso forte. Este ano, porém, o movimento começou um pouco mais cedo: desde abril estamos recebendo turistas sem parar”. Apesar de seu gosto pessoal preferir que a temperatura permaneça perto dos 24ºC, ele confessou: “Para os negócios, o frio é maravilhoso. Não posso reclamar!”.

O mato alto e o caminho desconhecido dificultavam o trajeto do grupo de viajantes que ousava atravessar a montanha gelada em busca de um novo lugar onde pudessem se estabelecer e também às suas famílias, um novo horizonte que projetasse para eles um futuro mais promissor, tranquilo e de menos escassez. Os ventos eram contrários, e nem o sol ou a chuva davam trégua ou amenizavam a jornada, que era movida por esperança e por uma força bruta que nem mesmo os caminhantes sabiam de onde ela nascia. E o pior: as intempéries estavam apenas começando, e não se tratavam apenas de temporais que afetaram o corpo - o que foi possível, mais tarde, verificar pelas mãos calejadas e pelo olhar baixo e cansado. As turbulências atingiam também a mente e o espírito desses tropeiros. Parar, porém, não estava nos planos. O objetivo precisava se cumprir. Parece que uma voz gritava dentro, dizendo que a terra prometida estava prestes a surgir diante da vista de todos eles. Mas era preciso acreditar e seguir caminhando.

Não foram dias difíceis. Foram semanas. Até mesmo porque, de Bragança Paulista às Três Barras, o trajeto se demora um tanto, especialmente quando feito com crianças de colo, animais e cargas, e isso há 200 anos. Quem circula pelas estradas pavimentadas hoje em dia, com o caminho abrandado e suavizado, nem imagina  quão difícil foi desbravar essas bandas. E foi justamente esse o propósito de Lourenço Franco de Oliveira e todos os seus companheiros: pavimentar estradas. E não só as físicas, mas da vida, para todos aqueles que, no futuro, por elas fossem construir seu futuro, suas famílias, seu lar.

Antes de chegar à terra recém alcançada, em 1887, Pietro Silotto servia como meeiro em fazendas de café na cidade vizinha de Amparo. Mas a cada nova enxadada, Pietro percebeu que poderia afincar sua residência um pouco mais adiante, para onde outros italianos, como ele, já haviam se dirigido.

Os primeiros membros da família Silotto se estabeleceram no sopé da montanha, preferindo não rumar adiante com aqueles que subiram a negra serra que se exibia soberanamente à oeste. A expertise de arar a terra em Amparo lhes trouxe a possibilidade de exercer o mesmo ofício na fazenda recém-adquirida nas Três Barras, plantando café, mas também milho, arroz e feijão, e possuindo galinhas, porcos e outros animais: “Quem chegou aqui, em 1887, foi o Pietro Silotto. Ele veio para trabalhar como meeiro nas fazendas de café Amparo-SP, como a maioria dos imigrantes italianos. Logo depois, comprou essa mesma fazenda. O Pietro veio da Itália e, ao chegar ao Brasil, trabalhou com café. Já a uva e a cana eram para consumo próprio, até porque, não era igual aos dias de hoje, que você compra até mesmo pela internet e chega na sua casa. Tinha que plantar, cultivar e produzir para poder tomar seu vinho, sua cachaça. Foi assim que começou a produção de bebidas aqui na fazenda, o que fazemos até hoje. O Pietro Silotto teve alguns filhos, e um deles foi o Quinto - o nome vem daí, exatamente o quinto filho - e foi ele quem depois herdou essa parte da fazenda, que havia sido separada entre treze irmãos, sendo que o Quinto ficou com a sede. Depois do Quinto, vieram outros filhos, mas quem permaneceu aqui foi o Alfeu Siloto, meu tio, que ainda vive aqui conosco e nos ajuda, além do Décio Siloto, conhecido como Neno. Ambos ainda moram aqui na fazenda, porém hoje eles não trabalham mais pelo avançado da idade. E naquela época, o café era a renda da família. A plantação do grão era feita para vender e ganhar dinheiro. Mas além do café, o sítio ainda tinha plantação de milho, arroz e feijão, além de possuir criações de galinha e porco para a subsistência da família, não para a venda”, as palavras são de Rogério de Matos, casado com Carina Silotto e atual administrador da fazenda.


E assim como outros produtores de café da região, os Silotto também sofreram com a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, que afetou tremendamente a venda do grão em todo território brasileiro. Mas, diferentemente de outras localidades, a fazenda saiu-se bem por, já naquela época, vender vinho e cachaça: “Diferentemente de outros estados e outras cidades que o pessoal parou de produzir, por aqui ainda continuaram com o café. Entretanto, nessa época, aqui já se produzia o vinho e a cachaça para vender também. Inclusive, nós temos alguns documentos de bebidas registradas em 1939, um pouquinho após essa data, porém já se produzia antes dessa data aqui no sítio. Outra curiosidade que temos aqui é uma caixa de alvenaria de 18 mil litros, datada de 1931, inclusive tem essa data marcada nela, e é mais um dos ambientes que a pessoa pode visitar aqui na propriedade e conhecer toda essa história. Portanto, já se produzia os vinhos nessa data, o que contribuiu para equilibrar as contas devido à quebra do café”.

Com o passar dos anos, Carina, a filha de Neno Silotto, é quem, ao lado do marido Rogério - aquele com a vassoura na mão logo cedo - toca a produção no local e a venda dos produtos fabricados na Adega Silotto. Mas a visão empreendedora, tipicamente italiana, levou os negócios a outro patamar, fazendo a nova geração da família de trabalhadores explorar também o turismo rural, com visitações à propriedade particular: “Há 13 anos, viemos minha esposa Carina e eu para transformar o sítio em um atrativo turístico para o município. A Carina é filha do Neno Silotto, e até hoje estamos aqui trabalhando com o Turismo Rural, expandindo a experiência para além das vendas na loja, que já existia anteriormente. Atualmente tem a visitação e toda a degustação. Como se trata de uma vinícola de pequeno porte e familiar, temos condições de dar toda a orientação de todos os ambientes que se pode visitar”.


Ambientes da fazenda

Há décadas, carros vêm e vão ao interior do estado de São Paulo, percorrendo os nove municípios do Circuito das Águas Paulista, em um itinerário que permite vislumbrar a natureza mais poética da Serra da Mantiqueira. Águas minerais, malhas, couro, morango, café, queijo e vinho são as principais buscas de quem foge das metrópoles para descansar em um dos lugares mais aprazíveis do país. De Socorro à Jaguariúna, de Águas de Lindóia à Holambra, o d'Artagnan do Circuito, os visitantes desfrutam de muito além de itens e objetos para serem levados para casa. História, cultura e, acima de tudo, experiências são o diferencial desses destinos.

A visita aos sítios e fazendas históricas e de produção rural tornaram-se o ponto alto do tour no Circuito, transformando a realidade econômica das cidades, e levando o turismo da região a outro patamar, com experiências que só podem ser encontradas por aqui. Pelo menos se o visitante não tiver a intenção de subir em um avião e deixar o país para passear.

Os veículos que costuram as curvas da SP-360, a rodovia Geraldo Mantovani (ou Engenheiro Constâncio Cintra, a depender da localidade que se está), se surpreendem com um enorme barril de madeira posicionado à beira da estrada no vale das Três Barras, a poucos minutos de Lindóia. Uma confusão bastante comum, feita especialmente por principiantes ou por quem não pertence ao mundo das bebidas alcoólicas, é chamar o barril de alambique: “Fazendo confusão, o pessoal costuma chamar de alambique aquele barril. O alambique, na verdade,é onde se produz as bebidas, onde se destila a cachaça, e também é possível conhecer aqui na propriedade”.

O que muita gente não sabe, é que o antigo tonel já guardou bebida ali dentro, mas hoje o aroma de história destila memórias: “Ali é um barril, um tanque, um tonel, que já foi realmente de cachaça, e possui 60 mil litros. Nele é possível encontrar alguns objetos antigos, além das histórias da família Silotto, de Serra Negra, e da cachaça. Mas o atrativo principal dele é porque é um barril enorme, e os visitantes aproveitam para tirar fotografias. Ao lado dele, tem o engenho, disposto do lado de fora. O equipamento era utilizado quando não se usava energia elétrica, e era movido a animais, como cavalos, e até mesmo escravos, no passado. O tonel é usado para armazenar e para envelhecer a bebida. Já no engenho, colocava-se uma tora de madeira bem no meio, e eles iam rodando o equipamento. A cana entrava de um lado do engenho, e o caldo saía do outro, basicamente uma máquina de caldo de cana, movida de maneira ainda bem manual. Esse engenho foi doação de um amigo, Pedrinho Fruchi, um produtor de cachaça aqui de Serra Negra, a quem agradecemos muito pela doação. Já a carroça que fica ao lado do engenho e em frente ao barril foi adquirida também de uma outra fazenda, já que as que eram usadas aqui não temos  mais. Por fim, o barril também foi comprado de outra propriedade, porque a nossa produção nunca foi tão grande para ter um barril desse tamanho. Para isso, seria necessário uma produção gigante de bebida e, atualmente, produzimos de 10 a 12 mil litros de vinho, e cerca de 8 mil litros de cachaça por ano”.

É, de fato, um museu, com itens ligados à cachaça e ao vinho, mas ali também existem muitos outros objetos que contam a história de Serra Negra e dos imigrantes, como roupas, telefone, moinhos e materiais de ofício das famílias dos séculos 19 e 20. E mais que um espaço de memória, o barril, atualmente, é um verdadeiro cartão-postal do município: “A estrada tem valor paisagístico, portanto não é permitido afixar faixas de convite para entrar. Sendo assim, foi preciso encontrar uma maneira de expor o convite colocando um barril aqui, já que aqui é uma vinícola e um alambique. Portanto, ele serve como uma propaganda à beira da estrada convidando as pessoas a entrarem. E como é bastante visível, aproveitamos o seu tamanho para fazer o museu na parte de dentro do barril a fim de chamar a atenção de quem passa pela pista. Para a montagem do barril, foi contratada uma pessoa especializada, que o desmontou onde ele estava e instalou aqui. Além disso, o barril é tido também como um cartão postal de Serra Negra, o que é possível ser constatado ao visualizar as redes sociais e ver as fotos que as pessoas postam de sua visita ao município, colocando o nosso barril como parte da visita”. O tonel é grande, mas todos sabemos que existem museus que possuem salas e mais salas intermináveis, e este é apenas um barril. Contudo, trata-se de um museu bastante rico, não só pela quantidade de objetos, quanto pela história que eles guardam, como confirmado por Rogério de Matos: “Aqui tem bastante história para conhecer, mas eu sempre falo que é um pequeno museu do vinho e da cachaça, dentro do barril gigante, porque às vezes a pessoa justamente tem essa impressão de ir num grande museu e achar que vai encontrar isso aqui. Costumamos dizer que o atrativo principal é de ser um museu dentro de um barril que a pessoa pode visitar, tirar foto, entrar e ter essa sensação, além de conhecer todas as histórias, e conhecer um pouco do passado através desses objetos”. 

Entre os muitos objetos que o local possui, está o alcoômetro, que é um densímetro, utilizado para verificar a graduação alcoólica de uma bebida: “Você mergulha o equipamento dentro de um recipiente com cachaça, e ele vai apresentar a densidade exata de álcool daquele líquido. Este tipo de ferramenta ainda é utilizada durante a produção de cachaça, mas depois a bebida é levada para um laboratório onde são feitas outras análises que darão maior precisão dos dados”. Vale lembrar que, logicamente, toda a visitação na Fazenda Silotto é gratuita, tanto no museu, quanto para a degustação das bebidas.

Há na propriedade um segundo museu, feito “nas coxas”. Sesquicentenária, a casinha, em si, exala a história da família, pois ali moraram alguns dos primeiros membros dos Silotto, que transformaram o lugar em adega, após a construção da segunda residência. Os tijolos seculares e o alvará que liberava a produção das bebidas, datado de 1939, dão testemunho da bravura dessa gente: “Aqui é história viva. Aqui é um ambiente que realmente aconteceu muita coisa, que existe desde quando Pietro Silotto comprou a fazenda alguns anos antes do início do século 20, é uma construção que já existia. Então, no início de tudo, as famílias moraram aqui, antes de construírem a casa mais abaixo, no ano de 1934, que hoje é moradia do Décio e do Alfeu Silotto - tem até uma inscrição com a data sobre o batente da porta. E foi aqui neste espaço que eles começaram a fazer o vinho. Hoje as pessoas entram aqui e podem viver isso”. O local também possui alguns objetos, como fotos antigas do sítio, onde é possível perceber que havia outras plantações, além de fotografias da família e reportagens: “É uma casa que tem aquelas telhas feitas nas coxas. Uma construção com mais de 150 anos. Aqui tem uma foto do Pietro Silotto com os irmãos e a mãe, um alvará datado de 1939, liberando a produção de bebidas, além de algumas reportagens. Tem até do jornal O Serrano aqui também. Aqui a história é realmente viva, pois eles viveram aqui dentro, produziram muito vinho aqui e receberam muita gente neste espaço”. A antiga residência tem outro ambiente que não é aberto à visitação, utilizado como estoque e onde são guardados objetos da fazenda. Um dos pontos altos da visitação, o local faz reverência à história de muitas famílias que tiveram histórias semelhantes, como comenta Rogério: “Até tem muita gente que viveu uma história parecida vem aqui e vê a semelhança com a história do avô ou do bisavô que, às vezes por motivo de herança, por exemplo, acabou vendendo uma propriedade, e aqui tem a oportunidade de reviver isso e se emocionar, porque aqui tem, realmente, muita história”.

Na saída do local, bem em frente à pequena fonte de pedra vertendo água, um casal de Santo André-SP quis aproveitar a visita inédita em Serra Negra para mergulhar na história da cidade. Segundo Larissa e Marcos, entrar em contato com o passado aumenta o conhecimento pessoal: “Legal, né? Conhecimento. Viemos aqui em Serra Negra pela primeira vez, e descobrimos o local porque a recepcionista da pousada onde estamos hospedados nos falou que aqui tinha uma adega”, contou Marcos, que foi interrompida por Larissa, que comentou ter visto a fazenda na internet: “E eu vi também muita gente falando no TikTok sobre este lugar, e achei que era legal conhecer. Então, antes de vir, eu já havia acrescentado este destino no meu roteiro”, confessou.

A internet e as redes sociais servem como um elo entre o passado e o presente. Na atualidade, praticamente todos aqueles que se aventuram em uma viagem desejam registar o momento por meio de fotografias e vídeos, e partilhar a ocasião com amigos e familiares, trazendo o gostinho para quem não está presente fisicamente, e aguçando a curiosidade dos seguidores. O poder e a influência das redes traz uma oportunidade muito grande para quem quer aparecer, e serve como um parceiro para empreendedores, inclusive aqueles que trabalham com o turismo rural. Não somente Larissa e Marcos, mas muita gente procura a fazenda depois de conhecê-la pela internet: “Mesmo em dias de semana recebemos bastante gente aqui”, afirma Rogério. O empreendimento abre ao público todos os dias, e desde o momento em que iniciamos a entrevista, diversos veículos pararam no estacionamento e muitas pessoas visitaram a fazenda e adquiriram produtos na loja: “E hoje é uma quarta-feira! Mas aos finais de semana e feriados vem muito mais, né?! Sem dúvida. Nós até nos preparamos mais, os colaboradores que são destacados para engarrafar as bebidas antecipam os serviços para estarmos todos à disposição apenas para o atendimento ao público”, complementou.

E como, vindo das grandes cidades, deixar passar uma das vistas mais belas da região? A propriedade é cercada por montanhas, e no dia da visita, o céu azul, em toda sua graciosidade, repousava sua ternura sobre o local. E se a palavra de ordem é registar o momento, nada melhor que fazê-lo assentado no balanço de madeira localizado no morrinho, bem em frente ao alambique: “Hoje, esse ponto é o que tem mais postagens da nossa fazenda. Como você pode ver, tem essa vista maravilhosa para as montanhas e para a propriedade, e hoje está um dia azul, céu claro e tempo firme, o verde da montanha, os telhados das casas combinando as tonalidades. Mas nos dias nublados, com clima de montanha e de frio, as fotos ficam muito bonitas também. Quando recebemos muitos visitantes, chega a formar fila para tirar foto nesse balanço. É um verdadeiro sucesso de Instagram”. O espaço é totalmente Instagramável, mas o diferencial é que se usa a própria natureza como plano de fundo.


O alambique

Em frente ao balanço há um outro ponto instagramável, um banco de madeira posicionado estrategicamente, tanto para apreciar a vista da propriedade e da montanha, quanto para tirar fotos também, já que bem atrás dele, a parede retrata a realidade das famílias fazendeiras produtoras de bebidas: em tons de marrom pastel, um depósito de barris de madeira enfileirados e um homem com um chapéu e roupa típica do trabalho na roça carregando um feixe de cana para levar ao alambique. No canto superior direito do desenho, que foi pintado em terceira dimensão pelo argentino Gustavo Pereira, que assina suas obras como Tato, há uma entrada de teto curvo, iluminada pelo sol. Como se fosse uma placa de madeira, sobre todo o desenho há a inscrição: Alambique Silotto. O desenho é a porta de entrada para conhecer o local onde está o destilador que faz inúmeras bebidas alcoólicas.

“O alambique é esse aparelho que se assemelha a uma panela de pressão. É um destilador, utilizado para fazer não apenas cachaça, mas também vodka, gin, grapa e outras bebidas destiladas. Para produzir a grapa, o caldo de cana fermentado é colocado dentro do utensílio, que esquenta o líquido fazendo emergir o vapor que, posteriormente, desce para um espaço que refrigera-o tornando-o em estado líquido novamente, tendo como resultado a cachaça. Portanto, o alambique é a ferramenta usada para fazer a cachaça, enquanto a adega, também conhecida como cantina, é onde se produz o vinho, que é uma bebida apenas fermentada, não destilada”, ensina Rogério de Matos. 

Uma sala ao lado do alambique está repleta de tonéis e barricas, utilizados para o envelhecimento das bebidas: “Essa é a sala de envelhecimento. Aqui nós temos os barris de polipropileno, onde depositamos a famosa cachacinha branca para vender como Prata ou para licores também. Há ainda as cachaças envelhecidas no carvalho, que são essas barricas deitadas, e as de amburana, que é uma espécie de madeira nativa do Brasil, onde se envelhece a cachaça Premium”. De Matos explica os materiais usados nos processos de envelhecimento da bebida: “O polipropileno é um material neutro, que não permite a passagem de nenhum outro sabor. Nada de bom nem de ruim vai para a cachaça, portanto, o que entrou vai sair. Este material não vai melhorar nem piorar em nada o resultado final da cachaça. Já as madeiras permitem a transferência e a adição de aroma e sabor à bebida, já que ela possui microporos que possibilitam a micro oxigenação que acrescenta maciez à cachaça, melhorando muito a qualidade do produto. Inclusive, há quem compre até mesmo o chip de madeira para colocar dentro da garrafa. Essa lasquinha serve para modificar o gosto da bebida, e funciona. Mas o barril de carvalho ou de amburana, por conta dos pequenos poros que possuem, apresenta um resultado muito mais eficaz”, assegura.

Rogério dá o recado quando o assunto é o PDG (pulo do gato) de uma boa cachaça: “Até anos atrás, algumas décadas, cachaça envelhecida era muito pouco conhecida e consumida. Hoje o público mudou muito, e o envelhecimento é bastante procurado, principalmente por quem gosta de uma cachaça mais macia, com esse gosto da madeira. E para isso, é fundamental ter uma boa cana, com uma graduação de açúcar boa, ter uma fermentação limpa e eficiente e, depois mais não menos importante, manter os cuidados com a destilação, como retirar aquilo que chamamos de “cabeça” e de “cauda”, que é o início e o fim da produção, prejudiciais à saúde, inclusive, deixando somente o “coração” da bebida, que é o meio da destilação. Temos, assim, uma cachaça boa. A cachaça Ouro leva dois anos de envelhecimento no carvalho, enquanto a cachaça Premium, precisa de três anos no barril de amburana”.

O alambique produz tipos variados de cachaça e licores, mas, sem sombra de dúvida, a cachaça azul, que carrega toda uma história imperial, é a grande majestade da fazenda: “A cachaça é sempre translúcida, o que chamamos de “branquinha”. Com ela produzimos licores e cachaças envelhecidas. Porém, aqui na nossa loja temos a cachaça azul, que foi feita para o imperador Dom Pedro I, que conta o mito, tinha sangue azul, então, para diferenciar da população em geral, essa bebida foi feita exclusivamente para ele. O diferencial da cachaça azul é que dentro do alambique, além de colocar o caldo de cana fermentado, são acrescentadas também folhas de mexerica que são destiladas juntas. Assim, ao invés de sair um líquido branco, ela apresenta uma coloração azulada claro, assegurando nela um pouquinho do gosto da fruta, alterando o seu sabor. Muitas pessoas escolhem essa bebida para levar devido à história que contamos. Ela é bastante boa, mas a história ajuda muito com a venda, até porque aguça a curiosidade. E tem o fator presente também, porque as pessoas querem levar para um amigo ou familiar, vai contar a história, garante um presente mais diferenciado”, garantiu Rogério de Matos.


A adega

Levam sete segundos até que duas garrafas verdes se encham de um líquido translúcido, saboroso e encorpado. No ar, o perfume inebria, mesmo quem ainda não beijou a taça. “É muito estranho saber que muita gente compra um vinho que não conhece a procedência, ao invés de optar por um produto artesanal, que conhece a origem”. As palavras de Carina Silotto não refletem apenas a surpresa de alguém que gostaria que mais serranos escolhessem as bebidas produzidas na própria cidade. Antes, revelam que muita gente ainda não compreendeu o conceito, ou mesmo desconhece a existência deste tipo de vinho e cachaça produzidos em Serra Negra. “Encontro amigos no supermercado que não sabem que trabalhamos com esse tipo de bebida. E pior, não fazem ideia de que nossa casa é aberta à visitação, e que aqui tem uma adega e um alambique”, complementa Rogério.

Ao adentrar na adega, o visitante é abraçado pelo aroma natural da uva fermentada e envelhecida, proveniente do sul do país, uma das melhores e mais proeminentes regiões produtoras da fruta no Brasil: “Aqui é onde o vinho é produzido, na cantina. A uva chega, fazemos a sua maceração, e seguimos com todo o processo de fermentação, envase, e de envelhecimento. Compramos a maioria das nossas uvas do Sul do país, normalmente colhida no dia ou, no máximo, em dois dias e já se está amassando a fruta. Não mais com os pés. Hoje em dia lançamos mão de uma desengaçadeira que faz a maceração da uva, e depois o mosto é transferido para os tanques de fermentação, e lá se conquista o álcool, pois a levedura consome o açúcar da fruta e transformando-o em álcool. Depois disso, retiramos as uvas, permanecendo somente o líquido, que passa por alguns processos de limpeza e de envelhecimento nos tanques e, nos casos dos vinhos de mesa, somente após sete meses são engarrafados. Já os vinhos finos, depois dos sete meses, passarão pelo menos mais um ano em barrica de carvalho. Inclusive, aqui na cantina há uma interação em vídeo, possível de ser assistido através do QR Code disponível na entrada da adega. Nossa fazenda produz os vinhos branco Moscato, seco e suave, e os tintos das uvas Bordô, Cabernet Sauvignon e Melô”.

Muita gente procura Serra Negra por conta da qualidade da gastronomia local, que teve um salto de qualidade nos últimos anos, muito por conta da globalização, que fez com que apaixonados por culinária desbravassem outros ares, especialmente por São Paulo, Campinas e até mesmo internacionalmente. Mas é impossível se esquecer das inspirações da cozinha italiana, revivida pelo sabor deixado pelas anotações das nonas em cadernetas nas gavetas da cozinha e na memória de quem viveu aos pés das avós. A potência do paladar alcançado pelas receitas leva algumas pessoas a exageraram na comida oferecida pelos restaurantes serranos, fazendo com que o indivíduo necessite, por vezes, de uma revigorante Siesta após o almoço. 

Às vezes, lançar mão de um sal de frutas também é viável. O que muita gente não sabe, é que o conservante natural, que é utilizado como um dos componentes do produto farmacêutico, também é extraído da uva, com os cristais depositados no fundo do barril, o chamado Bitartarato de Potássio (KC4H5O6, para quem não fugiu das aulas de química). A sustentabilidade do negócio se baseia também na sustentabilidade ambiental, e nenhuma parte do fruto é perdida. Pelo menos na adega Silotto: “Da uva, depois que se retira da fermentação do vinho, nós fazemos uma segunda fermentação, produzindo, assim, a grapa, no alambique. Destilamos essa uva e conquistamos uma aguardente típica da Itália, que nós produzimos aqui também. Da sobra desse material, nós colocamos novamente na terra, servindo de adubo. Então absolutamente tudo o que entra é utilizado, não só a bebida em si, mas todo o restante da uva também acaba sendo utilizado. O Bitartarato de Potássio, por exemplo, é um dos componentes que faz o famoso sal de fruta,e vem da uva. Na época de frio, esse ‘salzinho’ decanta no fundo do barril. As grandes vinícolas conseguem refrigerar o barril, nós não, nós esperamos o inverno pra decantar esse cristal, que é vendido para a indústria farmacêutica que fabrica o sal de fruta”. O mesmo processo de sustentabilidade e reuso dos materiais acontece no alambique, que depois da extração do bagaço da cana, ele é utilizado para fazer fogo, como energia para aquecer o próprio alambique. 

A fazenda esconde uma preciosidade histórica, que também pode ser visitada por turistas: “A parte de cima da propriedade sempre foi o alambique, que foi reformado recentemente, mas sempre utilizado para o mesmo fim. Quase um século atrás, fazia-se a cachaça ali, e a bebida caía nessa caixa de alvenaria de 18 mil litros. Nela tem a data de 1931 e a inscrição ‘PSEI’, que significa ‘Pietro Ciloto e Irmãos’, que era a marca da cachaça na época”.


A loja

Algumas pessoas que já tinham planejado conhecer o local, seja por terem ouvido falar, ou por virem algo a respeito na internet, podem iniciar o passeio pela loja que é, na verdade, o ponto de encontro do trajeto, e de onde saem todas as informações de roteiro interno: “Durante a semana, permanecem apenas um ou dois atendentes para o público. Aos fins de semana, nos preparamos antecipadamente para receber mais visitantes. Mas quando eles chegam, nossa orientação é que eles se dirijam à loja, pois ali sempre há alguém para recepcionar e explicar todo o roteiro, ou seja, o que é possível fazer na fazenda, quais os locais abertos à visitação, quais produtos provar, e a partir daí os próprios visitantes tomam a decisão de por onde começar o passeio. Alguns preferem entrar na loja e fazer a degustação e depois visitar; outros, não, preferem primeiro fazer a visitação para depois vir até a loja provar as bebidas, sendo assim, a decisão é feita pelo visitante, a partir das instruções que damos à ele. Aqui na loja temos as bebidas, que podem ser degustadas, e além delas, temos um empório aqui dentro, com doces, pimentas, salames e queijos artesanais da região, como todos os demais produtos vendidos aqui, como as cervejas Dortmund, de Serra Negra, e a Quinta do Malte, de Socorro. A presença desses produtos agrega valor ao nosso empório, já que o turista pode adquirir doces, queijos e bebidas feitos aqui em Serra Negra. Vale lembrar que a degustação é somente das bebidas que produzimos aqui na fazenda”.

O convite

“Chegamos a pensar em fazer um evento inédito em nossa cidade que é a pisa da uva para a sua maceração. Porém, como nossa adega é artesanal, e temos uma produção limitada, resolvemos, pelo menos por enquanto, adiar o projeto”, comentou Rogério, que sonha em ampliar o escopo de atendimento da fazenda, proporcionando outras experiências para quem visita o local. E, de fato, o sonho aos poucos se torna realidade, já que nossa conversa iniciou-se ao lado de um pergolado de madeira que divide o parreiral. E Rogério tem um plano para aquele lugar: “Aqui é um espaço novo que, além de ter as uvas que usamos para fazer o vinho, está sendo preparado para que os visitantes façam piqueniques. O barracão antigo será retirado e no lugar será feito um gramado com alguns quiosques, utilizando, inclusive, esse pergolado de madeira, que as pessoas podem ver até mesmo da estrada para preparar um piquenique mais raiz, reunindo a família, com toalha no chão e visita ao parreiral. Essa é a nossa nova atração. Ainda estamos em fase de estudos sobre como será a organização, mas dada a experiências de outras fazendas, esse passeio será feito por meio de reserva”.

O frio que tomava conta daquela manhã de inverno não apenas aquecia o comércio da Família Silotto. O frio é fundamental também para o período de hibernação da uva: “Não altera em nada na produção, mas como temos plantação de uva, esses dias de frio ajudam bastante. Como a poda é feita em agosto, agora é como se a fruta fosse hibernar. Ela precisa de alguns dias ali, dormindo, porque quando a poda acontece, a uva acorda com muito mais força. Portanto, esse friozinho que está fazendo neste ano de 2025 é muito bom para a produção da uva. Isso realmente melhora muito”.

E quando questionado sobre a produção da uva plantada no local, Rogério, após um convicto suspiro, não hesitou ao dizer que, para eles, que produzem as bebidas, ela não será menos especial que todas as demais: “ Eu considero todas as nossas bebidas especiais, pois fazemos todas elas com muito carinho. Mas quando falamos que o vinho foi preparado com a uva plantada aqui na fazenda, acaba tendo uma percepção maior de valor para quem está adquirindo o produto”.

É possível encontrar os vinhos e cachaças artesanais produzidos pelos Silotto nas lojas de queijos do centro de Serra Negra, mas, obviamente, a visita ao local é uma imersão infinitamente mais enriquecedora, ladeada pela natureza e por lembranças. Além, é claro, de permitir o registro de fotografias em um dos endereços mais charmosos do município, e de conversar com os artesãos das bebidas: “Nas lojinhas de queijo do centro da cidade é possível encontrar nossos vinhos e cachaças? Mas nossa produção é muito pequena, nos impossibilitando de produzir para vender fora de Serra Negra, e fazendo com que 95% da venda seja feita aqui no sítio. Mas hoje, acredito que do total das pessoas que visitam o sítio, a porcentagem de serranos ainda é muito baixa, algo em torno de 5% ou menos. A grande maioria são turistas. Existe, sim, o cliente que mora por aqui e vem para comprar bebidas e acaba retornando, mas eu considero como turista também. Muita gente vem aqui, e leva para consumo próprio, e devido ao ótimo custo-benefício, acaba levando como presente também. Quando viajamos, é bastante comum trazer um chaveirinho ou uma camiseta para casa, e aqui nós oferecemos vinho e cachaça como lembrança de Serra Negra, o que contribui para valorizar a cidade também, porque muitas vezes o presenteado não conhece Serra Negra e recebe um presente com o nome, vem aqui visitar também, ou telefona, dizendo que ganhou um presente e quer saber como faz para receber mais bebidas pela internet. É quando eu converso com ela e a incentivo a vir até aqui presencialmente. E aproveito também para fazer o convite a todos os serranegrenses, a todos os serranos, para virem conhecer nossas bebidas, fazer a degustação, conhecer nossos ambientes e também a história da família que chegou aqui há mais de 100 anos, e um pouco da história de Serra Negra, porque aqui mostramos como a cidade alavancou, devido ao trabalho rural do café. Inclusive, este bairro pertence à Rota da Fundação, onde será feita uma praça que vai estabelecer o marco zero do município, registrando que Serra Negra realmente começou aqui nessas bandas. O fundador da cidade, Lourenço Franco de Oliveira, veio de Bragança Paulista e se instalou nessa região. Mas por conta de ser uma região montanhosa, ele e os demais tropeiros, seguiram em frente, até chegarem onde hoje é o centro da cidade. Todo serrano vai adorar vir aqui fazer esse passeio. As portas estão abertas para todos”.

Agora, com a estrada asfaltada, é possível chegar ao centro da cidade em menos de cinco minutos, de carro. Antes, porém, saindo da Rota Turística da Fundação, no topo da montanha, viramos à esquerda, na rotatória, e adentramos à Rota Turística do Café, onde diversas outras experiências marcam o passeio de quem resolve desfrutar de Serra Negra na sua essência.

Você pode ouvir essa história, com a participação de Rogério de Matos, e os próximos episódios da série em:

  • Edição impressa e no portal online do Jornal O Serrano, nas próximas 10 sextas-feiras;
  • Na Rádio Serra Negra: FM 104,5 mHz / ou no site da rádio, clicando aqui, sextas-feiras, às 10h;
  • Canal do Spotify aqui
  • Em livro*: ainda sem data para publicação.

Série Serra Negra Para os Serranos:

Roteiro e apresentação: Ibraim Gustavo Santos 

Realização: Jornal O Serrano e Rádio Serra Negra 

Produção: Freestory 

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