Ibraim Gustavo
Ibraim Gustavo

Jornalista, pós-graduado em Marketing, MBA em Comunicação e Mídia, e MBA em Empreendedorismo e Inovação. Empreendedor, é sócio-fundador da Freestory – A primeira plataforma do Brasil de autodescrição com storytelling, IA e IoT. Com formação em Profissões do Futuro (O Futuro das Coisas) e no Programa de Capacitação da Nova Economia (Startse). É também músico, escritor, roteirista e storyteller.

Serra Negra

Dia da Consciência Negra reforça a dívida histórica do Brasil com as populações afrodescendentes

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Dia da Consciência Negra reforça a dívida histórica do Brasil com as populações afrodescendentes
Dia da comemoração foi escolhido para reverenciar a data de morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares | Pintura de Antônio Parreiras (1927)

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, representa um marco fundamental para a reflexão sobre a contribuição histórica, cultural, política e social da população negra no Brasil. No estado de São Paulo, essa data assume um papel ainda mais significativo, considerando a profundidade das desigualdades raciais persistentes no território.

A escolha da data faz referência à morte de Zumbi dos Palmares (Serra da Barriga, 1655 - Serra Dois Irmãos, 20 de novembro de 1695), líder do Quilombo dos Palmares e símbolo maior da resistência negra à escravidão. Ao contrário de datas comemorativas tradicionais associadas à abolição, como 13 de maio, o 20 de novembro enfatiza a luta e a resistência, dando protagonismo à população negra e reconhecendo sua importância histórica.

O fato é destacado no artigo "Neo Zumbilismo é Agora”: 20 De Novembro e Consciência Negra No Brasil” (2022), de Juliana Serzedello Crespim Lopes, e publicado na Revista USP, da Universidade de São Paulo: “Reivindicado por organizações do movimento social negro como data-símbolo da população negra   no   Brasil,   o   20   de   novembro   se   consolida   ano   após   ano   como   uma   contraposição   às tradicionais comemorações do dia 13 de maio, referente à assinatura da Lei Áurea, que simbolizaria o fim do último sistema escravista ainda vigente no mundo em 1888”.

Juliana Lopes é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais (PCHS) da Universidade Federal do ABC (UFABC), e mestre em História Social pela FFLCH-USP. Seu estudo comenta que a disposição  do povo brasileiro de comemorar  esse acontecimento histórico pode  revelar  e ocultar  diferentes   processos   da memória social: “Longe de serem naturais ou espontâneas, cada uma das duas datas comemorativas mencionadas traz em si elementos de compreensão dos jogos institucionais, simbólicos e políticos do   Brasil   contemporâneo.   Assim,   observa-se   uma   disputa   social   em   torno   do   significado   da experiência escravista na formação sociocultural brasileira, traduzida, em parte significativa, pelo tensionamento entre setores adeptos de uma versão conservadora do 13 de maio ou de uma versão mais popular e combativa do 20 de novembro”.

A relevância em São Paulo

O estado de São Paulo, ao longo de sua história, recebeu grandes contingentes de população negra, tanto escravizada quanto livre. Esses povos contribuíram para a formação econômica, artística e cultural paulista. Apesar disso, as desigualdades raciais persistem de forma profunda, já que a população negra é a mais afetada por desemprego, subemprego e menores salários, bem como uma forte sub-representação de pessoas negras em cargos de liderança e espaços de poder.

Além disso, os índices de violência letal são muito mais altos entre jovens negros, representando cerca de 73% das vítimas de mortes violentas ou acidentes na sua faixa etária no Brasil, segundo um estudo da Fiocruz publicado em outubro de 2025, analisando dados de 2022 e 2023. Portanto, o Dia da Consciência Negra atua como um espaço de debate público sobre essas desigualdades e sobre a necessidade de políticas efetivas de combate ao racismo estrutural.

O dia 20 de novembro é também um momento de fortalecimento da educação antirracista, com escolas, universidades e instituições culturais paulistas promovendo atividades que abordam a história da África e da diáspora do continente, o legado de personalidades negras brasileiras, a valorização das matrizes culturais afro-brasileiras, como capoeira, samba, jongo e candomblé, e trazer à tona debates sobre identidade, representatividade e políticas públicas. Essas ações contribuem para a formação de uma sociedade mais consciente, na qual as crianças e jovens compreendem a importância da diversidade e da igualdade racial.

Cultura, resistência e celebração

No estado de São Paulo, o Dia da Consciência Negra é marcado por uma diversidade de acontecimentos, tanto na capital, quanto no interior e no litoral.

A Secretaria de Estado de Turismo e Viagens (Setur-SP) lançou a 2ª edição do Guia Afroturismo, uma publicação que apresenta municípios paulistas com atrativos, experiências e roteiros que valorizam a população negra. O lançamento aconteceu na última terça-feira, dia 18 de novembro, no auditório da SPTuris, na capital paulista.

A nova edição do guia amplia significativamente o mapeamento já existente de roteiros de Afroturismo em São Paulo, lançado no ano passado com 10 indicações, e que agora, reúne 25 municípios organizados entre roteiros e atrativos turísticos. Entre os destaques de museus estão o Museu Afro Brasil e o Museu das Favelas, na capital, e o Museu Afro de Ilhabela. Além disso, há novos roteiros afrocentrados no interior do estado e próximos à Serra Negra, em municípios como Campinas, Vinhedo, Piracicaba e Sorocaba.

Roberto de Lucena, secretário de Turismo e Viagens fala da importância da celebração cultural no estado: “Com a entrega do Guia, reafirmamos nosso compromisso em fortalecer políticas públicas que promovam inclusão, representatividade e valorização da cultura afro-brasileira, posicionando o estado de São Paulo como referência nacional no desenvolvimento do Afroturismo”, disse.

Dívida histórica e reparação

“No Brasil”, afirma Juliana Lopes, “a   ideia   de   nacionalidade   se   constrói   com   base   na   afirmação   de   sua   origem colonial europeia e na negação estrutural da cidadania plena às populações de origem africana e indígena. Nesse   sentido,   e   em   consonância   com   este   Estado-nação   excludente,   a   construção   da memória   histórica   nacional  se   caracteriza   pelo   silenciamento   das   experiências   negras   e   pelo ocultamento das memórias de lutas das populações subalternizadas desde o processo de colonização e   escravidão”.

A pesquisadora finaliza seu estudo reforçando que “ao  reivindicar a memória de Palmares e de Zumbi por meio da celebração do dia 20 de novembro,   os   movimentos   negros   do   Brasil   se   contrapuseram   a   uma   estrutura   social   que   vem considerando, desde a experiência colonial escravista, a população negra como incapaz de conduzir-se historicamente de forma autônoma e completa, como seres humanos plenos. Construindo esta efeméride,  alcançaram  muito  mais  do  que simplesmente  recontar  a  história  dos   livros escolares: abriram   portas   para   a   reconstrução   do   pacto   republicano   no   pós-ditadura   e   deram   os   primeiros passos de grandes transformações sociais, como o reconhecimento da dívida histórica do país com a população negra”.

O estudo de Juliana Lopes, publicado na Revista USP, está disponível gratuitamente na internet. Para acessá-lo, clique aqui.

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