Por: Ibraim Gustavo Santos
Existem dias em que tudo o que pensamos é em desistir. A desistência, em muitos casos, se torna a única opção, especialmente quando você já tentou de tudo e, ao olhar para os lados, só enxerga as montanhas íngremes que dificultam o seu trabalho, que tornam a sua jornada mais árdua e longa. Suas mãos calejadas comprovam que não foi por falta de tentar. A gota de suor que escorre do canto de sua cabeça reflete que por inúmeras vezes, das mais variadas formas, você lutou. Mas, passado tanto tempo, talvez seja a hora de abandonar o ofício, deixar décadas de história para trás, e tentar algo novo na vida.
A não ser que… maior que a vontade de desistir, seja sua coragem e insistência para fazer acontecer. E então, o destino te presenteia com surpresas com as quais você não contava antes. O Sr. Manabro, neste caso, foi um dos personagens que tirou o véu, possibilitando que Rosana e Roberto vislumbrassem um caminho diferente. Foi quando eles compreenderam que existia a possibilidade de não desistir, e que das montanhas, das mesmas íngremes montanhas, viria o fruto do seu triunfo, poucos anos depois: “Foi assim, o Sebrae veio ajudar a desenvolver esse trabalho de agricultura de montanha. Depois, conhecemos um japonês que se chamava Sr. Manabro, que nos ajudou muito a entender o que tinha que se fazer para produzir café especial. Estávamos desanimando de trabalhar com café, a ponto de entrarmos num dilema se deveríamos continuar ou parar essa atividade. Após essas conversas, decidimos vestir a camisa para entender mesmo e arregaçar as mangas para trabalhar em cima desse café diferenciado. Foi difícil no começo, não é no primeiro ano que você acerta, mas começamos a nos destacar nos concursos de café em 2017, quando ficamos em terceiro lugar no concurso regional. Para a gente foi uma satisfação enorme, pois nunca havíamos nos classificado em nenhum concurso do gênero. E três anos depois, em 2020, algo aconteceu que nos incentivou a melhorar cada vez mais: veio o prêmio de 2º melhor café do estado de São Paulo na categoria ‘Natural’. Para nós foi um enorme reconhecimento do trabalho que fazíamos aqui dentro da propriedade”, lembra o produtor Roberto Marchi, proprietário do Sítio São Geraldo, que produz o Café Especial Nonno Marchi.
Dez anos passados, olhar para trás e ver essa mudança de chave, tirando o protagonismo do café commodity, e destinando os esforços ao café especial, a resposta é: Valeu a pena!: “Muito! E depois, com essa marca, em homenagem ao meu avô, o nono Marchi. E fomos nos fortalecendo, melhorando e, graças a Deus, hoje somos bastante reconhecidos pela qualidade do nosso café”.
Mas a história começou bem antes, ainda no século 19: “Pertencemos à uma família de imigração italiana, que veio para trabalhar no Brasil em 1895. Nossos antepassados trabalharam vários anos como funcionários em uma fazenda até conseguirem juntar dinheiro para comprar um pedacinho de terra onde se iniciou, então, o plantio de café da família Marchi aqui em Serra Negra. E foi passando de geração para geração. Na verdade, a primeira propriedade está dentro da Rota Turística do Café, logo passando o portal, ao lado direito, atravessando um alambrado, foi a primeira propriedade que eles compraram, inclusive temos as fotos antigas do terreiro ainda, do pessoal trabalhando, e depois quando
meu bisavô comprou o sítio localizado atrás da Obatã. Depois disso, meu avô, quando sobrou um dinheirinho para ele, comprou essa propriedade para o meu pai, há 56 anos. Meu pai iniciou plantando o café, mas só em 1998 que viemos dar continuidade ao cultivo de café, quando eu me casei com a Rosana e viemos morar aqui no sítio, o que já vai para 27 anos”.
E para seguir trabalhando, os antepassados de Roberto compraram uma máquina para beneficiar o café: “É como a maioria faz: compra o café com a casca, tira essa casca e vende. Naquela época, isso se tornou um comércio lucrativo, porque o produtor comprava e o preço do grão estava sempre subindo, subindo e subindo. Muita gente ganhou dinheiro com isso. Mas a rodada do 29 é histórica, que quebrou muita gente. Existiam grandes fazendas ao redor daquela propriedade do meu bisavô e do meu avô, que contava que muitas pessoas que eram donos de fazenda acabaram se tornando empregados nelas depois de perderem tudo”, lamenta Roberto Marchi.
Para quem conhece a história do Brasil, ou para apaixonados por café, a assombração da quebra da bolsa de Nova York volta e meia ronda as conversas. A Rodada de 1929 foi fatal para inúmeros produtores paulistas, afetando a produção e a venda do grão, e prejudicando imensamente o futuro de centenas de famílias, que inclusive desistiram de seguir com a produção do grão. Muitos desses produtores precisaram de ajuda de parentes e amigos para seguir com o sonho: “Continuaram com o café. Quem ficou com as propriedades praticamente ficou com o café e com uma enorme dívida a ser paga”.
Talvez quem hoje conhece o sucesso do Café Nono Marchi, ou visita a propriedade durante o café da manhã, ou mesmo faz o tour da experiência imersiva, nem sequer imagina quanto esforço foi - e ainda é - empregado para transformar esse grão em um dos melhores do estado de São Paulo: “Como estamos na montanha e o trabalho é todo manual, exige mais mão de obra, o que faz aumentar o custo de produção do café especial porque não tem como mecanizar os processos, inclusive de colheita. E como o café é uma commodity, é uma cultura que apresenta muitos altos e baixos, e quando tem mais oferta do produto, o preço acaba diminuindo. Nos últimos anos, o preço do café subiu devido a uma produção menor mundialmente falando. Já o café especial mantém um nível, um padrão, o que nos possibilita agregar mais valor dentro da propriedade com esse café diferenciado”.
Para a maioria dos brasileiros, as primeiras horas da manhã são sagradas. Há quem diga que o dia só começa depois do café. Também, pudera: o perfume extraído da água em contato com o grão moído passando pelo filtro é quase uma devoção, um momento litúrgico para milhões de pessoas. Aqueles minutos podem ser eternizados ao compartilhar uma pequena xícara com quem se ama, brindando com um amigo, ou mesmo deleitando-se no afago da solitude, tão apreciada e louvada nos últimos tempos.
Mas quem bebe o café, em casa ou na rua, muitas vezes não faz ideia da ciência por trás de todo esse sabor inconfundível: “Foi em 2013 que a gente começou a ouvir falar de café especial e fomos entender melhor o que tinha que se fazer para produzi-lo. Passamos a cuidar de uma maneira diferente da planta, fazer uma colheita mais seletiva, colher o fruto no momento e do jeito certos e com uma secagem bem feita. Depois disso, tem também a Rosana, minha esposa, finalizando com a torra correta, que é outro diferencial para extrair o que tem de melhor nesses grãos, porque não adianta nada a gente ter um bom café lá no terreiro e quando chegar no torrador, acabar queimando esse café, estragando o produto”, disse Roberto Marchi. “Fazemos todo um processo de controlar o fogo, o ar, o tempo de torra e todo o ambiente para poder manter o frutado, a doçura e o corpo do café”, acrescentou Rosana Marchi, cafeicultora e mestre de torra do Sítio São Geraldo.
O barista Diego Silva explica como a tecnologia contribui para assegurar o padrão e a qualidade da torra dos grãos: “O equipamento que a Rosana usa é de altíssima qualidade. Além disso, ela torra lançando mão da tecnologia. A curva de torra é um gabarito que ela utiliza para manter o padrão da bebida, um software instalado no torrador, indicando qual a curva de torra para aquela variedade específica de café.
“Mantemos o padrão de torra para cada cultivar desde 2015, ano em que demos início à nossa marca. Ou seja, mantemos a qualidade e o sabor do nosso café há uma década. E isso é possível ser testemunhado pelos nossos clientes, que reconhecem o padrão do Café Nonno Marchi, e sempre vêm em busca do nosso café aqui na propriedade”, acrescenta Rosana.
Centenas de pessoas procuram o Sítio São Geraldo pela internet, fazem buscas sobre a propriedade e sobre o café, e também acerca daquilo que pode ser feito durante a visita. São turistas de todo o Brasil que visitam o local para ter uma experiência diferente de tudo aquilo que é possível ser vivido nos cafés das grandes cidades. O Turismo Rural tem sido um forte chamariz para quem gosta de viajar pelo interior. Contudo, ele nem sempre é aproveitado por quem é da terra: “Tem um pessoal que não conhece o espaço que a gente tem aqui na propriedade, né? Inclusive gente que nasceu aqui ou mora em Serra Negra há anos. Alguns já até vieram aqui, mas precisam conhecer mais e melhor nossas rotas, não somente o nosso sítio, porque Serra Negra é muito rica em Turismo Rural. Nossa propriedade faz parte de uma delas, a Rota do Café, aqui no Bairro da Serra. Vale a pena conhecer”, afirma Roberto Marchi.
Ele teve a fala seguida de perto pelo comentário de Diego Silva: “Toda vez que eu venho aqui, está lotado. Temos visto um crescimento muito grande no segmento de Turismo Rural, e o próprio café especial também tem crescido muito no gosto dos consumidores. Aliás, na minha percepção, já está passando o vinho nessa questão de gourmetização. Antes, o público dava muito valor somente ao sommelier, que agora divide espaço com o barista. As pessoas que anteriormente passeavam em vinícolas, apenas, agora estão visitando cafeicultores também. Vale dizer que o Beto sempre fez essa visita à propriedade, e ele é muito bom no que faz. Mas antes ele fazia tudo isso sozinho. Eu, como barista, vim para agregar, para fechar essa cadeia na experiência guiada que colocamos à disposição do público, pois agora temos aqui no sítio São Geraldo um produtor, uma mestre de torra e um barista”, incentiva ao convite Diego Silva.
Quem visita o Sítio São Geraldo, percebe que, logo na chegada, o cheiro do café é o primeiro a receber o visitante, com um caloroso e aromático abraço. Mas o calor se estende no sorriso e na simpatia de Rosana, Roberto, Diego e dos demais profissionais que atuam ali: “Obviamente, fica o convite a todas as pessoas para conhecerem nossa propriedade aqui na Rota Turística do Café, em Serra Negra. Estamos abertos de quarta a domingo, das 9 às 17 horas, e aos sábados acontece a nossa experiência guiada, com visitação às plantações, ao terreiro e a finalização com a degustação dos cafés especiais. Recomendamos às pessoas que façam contato pelo direct do Instagram (@cafe.nonnomarchi / @oamantedocafé), e será encaminhado à ela o número de telefone para tirar dúvidas e fazer as reservas. O passeio tem um limite de 12 pessoas, tornando a experiência mais intimista. Nele falamos sobre lavoura, colheita, pós-colheita, secagem, torra e, ao final, apresentamos três métodos de preparo diferentes para degustação. Dá para aprender muito com essa visita, além de um incentivo a levar um pacote de Café Nonno Marchi para casa. Será um enorme prazer receber a todos vocês”.
E saindo da estrada de terra, retornando pelo caminho principal da Rota Turística do Café, seguimos adiante, em uma jornada que vai nos levar, já próximos à hora do almoço, ao sítio da Família Olivotto, onde encontramos um restaurante de comida caseira, com receitas autorais, além de pesqueiro, empório, uma igrejinha e loja de móveis rústicos de demolição.
Você pode ouvir essa história, com a participação de Roberto e Rosana Marchi, e Diego Silva, além dos próximos episódios da série em:
Edição impressa e no portal online do Jornal O Serrano, nas próximas 10 sextas-feiras;
Na Rádio Serra Negra: FM 104,5 mHz / ou no site da rádio, clicando aqui, sextas-feiras, às 10h;
Canal do Spotify aqui
Em livro*: ainda sem data para publicação.
Roteiro e apresentação: Ibraim Gustavo Santos
Realização: Jornal O Serrano e Rádio Serra Negra
Produção: Freestory