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Com o Acervo Socorrense, Pedro Zanesco resgata a história da cidade

Arquivo digital eterniza a cultura, a arquitetura, as festas, a gastronomia e o povo de Socorro-SP

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Com o Acervo Socorrense, Pedro  Zanesco resgata a história da cidade
Ibraim Gustavo conversa com Pedro Zanesco nos estúdios da Rádio Serra Negra | Daniela Cagnoni

A poltrona, posta na pequena varanda, convida o visitante a sentar-se e saborear o café quente, envolto pelo aroma inesquecível da casa da vó, que embala as conversas e abraça as memórias. Ali, as histórias se revelam pelos que viveram décadas no passado e hoje as narram com prazer, como se tivessem a missão de perpetuá-las na memória.

As cãs, caindo como véu sobre a cabeça, são o maior sinal de sabedoria — reconhecida por aqueles que, com profunda reverência, sabem silenciar a própria voz para ouvir. E escutam relatos de quem, mesmo sem diplomas pendurados na parede, ostenta fotografias em sépia que guardam experiências não teorizadas em universidades, mas vividas na essência.

Pedro Zanesco é um desses ouvintes, que investe minutos do seu dia para viver o passado, apesar de ter apenas vinte e poucos anos. O que pode um jovem universitário, estudante de Engenharia Agronômica, aprender com pessoas mais velhas, que sequer passaram do 4º ano escolar? “Eu acho muito mais profícuo conversar com essas pessoas e ler seus relatos do que fazer algumas contas de matemática para a prova semestral. Às vezes, a vontade de mostrar alguma foto antiga é maior do que estudar cálculo”, conclui.

E no intuito de possibilitar que a história continue sendo contada, e que o passado não envelheça, morrendo enfim, Zanesco aproveitou o ócio forçado pelo isolamento social durante a pandemia de Covid-19 para criar o perfil Acervo Socorrense no Instagram, onde publica fotografias, vídeos e textos que expõem o passado do município de Socorro, no interior de São Paulo, bem como sua arquitetura, sua economia, suas ruas, fazendas, igrejas e, sobretudo, seu povo, mergulhando na cultura e nas raízes que fizeram da cidade um dos lugares mais aprazíveis do Circuito das Águas e de toda a região.

E é sobre isso que vamos falar hoje, no O Serrano Conversa, o podcast do Jornal O Serrano. Nas próximas linhas, você vai conhecer o Acervo Socorrense e seu fundador, Pedro Zanesco.


O Serrano Conversa: Conte-nos um pouco sobre você e como surgiu a ideia de criar o Acervo Socorrense.

Pedro Zanesco: Eu tenho 23 anos, moro em Socorro, no sítio, e sempre gostei muito de história, principalmente a da minha família. Eu gostava de pesquisar fotos e fui reunindo essas imagens aos poucos. Foi quando comecei a me interessar também pela história de Socorro, e buscar por fotos da cidade. Em 2020, durante a Pandemia de Covid-19, como não tinha muito trabalho a se fazer no sítio, comecei a pesquisar imagens e documentos sobre o município na internet. Eu conheci um perfil no Facebook chamado Socorro Saudade, que inclusive, algumas fotos que utilizo são deles. Porém, muitas delas não tem nenhuma informação. Precisei, então, trabalhar na busca pelos dados das fotografias, como o ano em que foram tiradas, quem está presente nelas, entre outras coisas, para publicar posteriormente.


OSC: E quando foi que você teve a ideia de compartilhar as imagens publicamente, pela internet?

PZ: Quando eu conversava com meus amigos, sempre surgia o assunto, e eu mostrava para eles, até que um dia resolvi que seria mais fácil e interessante compartilhar no Instagram. Eu sempre gostei de tirar muitas fotografias, inclusive, entre os conteúdos do Acervo estão fotos do dia a dia de Socorro, da parte cultural da cidade.


OSC: Você disse que iniciou essa atividade durante a pandemia. Você acredita que naquele momento muita gente tentou se encontrar ou se reencontrar, parando para pensar em fazer outra coisa da vida além de só trabalhar?

PZ: Acho que sim. Às vezes ficamos muito perdidos no dia a dia, e acabamos não reparando nas coisas que existem em nossa própria cidade. O Acervo surgiu e faz tanto sucesso lá em Socorro... — não quero parecer pretensioso — mas faz sucesso justamente por causa disso, porque eu mostro as coisas que às vezes passam despercebidas para muita gente, e as pessoas querem vivenciar mais a cidade. 


OSC: Você já recebeu algum testemunho de seguidores dizendo que desejam conhecer um lugar ou retornar a um ponto que você publicou?

PZ: Direto. Acontece muito de eu postar foto de algum parente do seguidor e ele me enviar uma mensagem dizendo que é o pai, a mãe ou algum parente na fotografia, dizendo, inclusive, que não tinha aquela foto. A maioria das mensagens que recebo é me parabenizando pelo perfil. Já recebi mensagem falando que a pessoa começou a tirar foto de Socorro por causa das minhas fotos, e é muito legal ter esse reconhecimento.


OSC: E quem são os seus principais colaboradores hoje?

PZ: No começo, foi o perfil que eu comentei, o Socorro Saudade, bem como o Jornal O Município, já que eles possuem uma parte da memória fotográfica do município. Mas eu comecei também a ter acesso a fotos inéditas, e isso aconteceu porque eu gosto de conversar com pessoas mais velhas, senhores, sabe? Às vezes, eu estava na praça e começava a conversar com eles, comentava que eu tinha esse projeto e perguntava se eles tinham alguma fotografia antiga. Desse ponto em diante, o pessoal da cidade começou a enviar fotos para o Acervo, já com as informações necessárias para eu publicar, o que facilita meu trabalho.

OSC: É com as pessoas mais velhas que reside a história, então, temos o acesso ao passado justamente por meio delas, correto? 

PZ: Exatamente. E essas pessoas gostam que você converse sobre isso, até porque nem sempre tem alguém para elas falarem e serem ouvidas. Quando eu chegava lá na praça para conversar com algum senhor, ficava horas conversando, e ele adorava falar sobre essas coisas.


OSC: E qual a foto mais antiga que você tem?

PZ: É uma da igreja do Rosário, onde hoje funciona o Paço Municipal. Acredito que a fotografia seja do final de 1800. É uma das mais conhecidas de Socorro, e já está em domínio de muita gente. 

OSC: E qual a foto mais curiosa que você já publicou no perfil?

PZ: Eu gosto bastante de uma foto que retrata o Rio do Peixe, e mostra uma canoa com duas pessoas dentro e, ao fundo, a igreja. Acredito que seja datada por volta da década de 1940, e acho que é a foto mais bonita e mais curiosa, porque mostra quando o Rio do Peixe ainda era muito utilizado pela população. Ele ainda é, especialmente por conta dos esportes radicais, mas na época, existiam as lavadeiras, que dá nome à ponte existente no local. Eu tenho uma imagem das lavadeiras usando o rio, que pertencia, de fato, à população. 


OSC: Você acredita que o seu trabalho se traduz numa forma de valorizar a cidade onde você mora? 

PZ: Com certeza. As pessoas se sentem mais participantes da história e do convívio orgânico do município. Principalmente por ser no Instagram, o Acervo Socorrense tem acesso a pessoas mais jovens, o que contribuiu para florescer nos jovens essa vontade de frequentarem mais os lugares históricos da cidade. Por exemplo, Socorro tem ainda um cinema de rua, e é algo que, na minha opinião, os socorrenses tinham que frequentar cada vez mais, ocupando os espaços da cidade, porque a cidade é do povo. 

OSC: Há uma cena cultural bastante movimentada em Socorro, especialmente no Centro Histórico, com biblioteca, museu e conservatório, certo?

PZ: Sim, inclusive, no museu há uma exposição sobre Lino Guedes, um escritor negro do século 19, pioneiro da literatura negra no Brasil. Ele é natural de Socorro e, com certeza, uma das pessoas mais importantes da nossa história. Guedes era amigo pessoal do escritor Mário de Andrade e é reconhecido como o pai da literatura negra brasileira. Dentro do Acervo, eu também faço o trabalho de ir até os lugares onde estão essas fotos antigas para refazer as imagens, criando uma colagem no Photoshop que mostra o antes e o depois. É possível perceber que algumas coisas foram preservadas, mas também fica claro que muita coisa já não existe mais. Então, minhas postagens também servem para mostrar como é bonito manter a história e a arquitetura, além de provocar um alerta para que o povo lute pela preservação. Isso porque ainda existe, em Socorro, uma deficiência muito grande nesse sentido, tanto no cuidado com documentos e registros quanto, principalmente, pela falta de proteção legal através do tombamento histórico.


OSC: Qual é a sua intenção com esse acervo? 

PZ: Acho que, principalmente, que as pessoas mais jovens dêem ainda mais valor para Socorro, porque o fato de a gente estar lá, morar lá, em meio à natureza e cercado pela história local e pelas oportunidades culturais, é um privilégio que possuímos. Então, minha intenção é que as pessoas possam viver cada vez mais a cidade no dia a dia. Lógico, a Festa de Agosto é muito legal e é também muito tradicional, mas o meu desejo é que o socorrense viva a cidade o ano todo. Por ter muito contato com as fotos antigas, em qualquer lugar que estou andando, como pela praça, por exemplo, eu lembro de algum registro que foi feito ali, e aquela experiência, só de estar presente naquele lugar, eu fico feliz. Eu quero que as pessoas tenham essa mesma sensação. Socorro é história, e vale a pena ser vivida.

OSC: Você tem alguma ideia para ampliar o projeto, por exemplo, fazer um livro, um almanaque ou algo similar?

PZ: Eu queria fazer algo físico, para ser uma coisa mais palpável. É lógico que no Instagram eu tenho uma série de pessoas seguindo, mas acho que algo físico faz falta. Uma das ideias é fazer um mini-jornal cultural, com textos sobre o município, sobre a cultura e sobre a gente socorrense. O objetivo é encontrar parcerias e patrocínios para realizar esse trabalho.

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Se você tem o desejo de contribuir com o Acervo Socorrense, seja com fotos, registros, documentos ou histórias, seja financeiramente, através de patrocínios, entre em contato com Pedro Zanesco por meio do Instagram: @acervosocorrense. E para ouvir a entrevista completa, acesse o canal do O Serrano Conversa, no Spotify, clicando aqui.

O roteiro e a apresentação são do jornalista Ibraim Gustavo Santos, e a produção é da Freestory.

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