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Henrique Vieira Filho é jornalista, escritor, terapeuta, sociólogo, artista plástico, agente cultural, diretor de arte, produtor audiovisual, educador físico, professor de artes visuais, pós-graduado em psicanálise e perícia técnica de obras de arte.
O tempo, como o rio, não para. E eu, na correria de tantas criações, acabo por esquecer que a correnteza também é feita de marcos. Do nada, num estalo, me pego com um questionamento: qual seria a minha centésima crônica no "O Serrano"? E a de número 200? A resposta é: não sei. E confesso que me assusta um pouco essa ausência de contabilidade, essa "urgência criativa" de não parar para celebrar.
Duas centenas de crônicas se foram. De repente, lá se foi um rio de causos, reflexões e "pitacos" semanais, escorrendo sem que este escriba sequer parasse para contar os pontos. É o rio que flui, e eu, absorto na paisagem, esqueço de medir a distância percorrida.
O mesmo aconteceu com os livros. Meu 26º acabou de nascer, quentinho, cheirando a papel e a promessas de novos leitores. Mas, a verdade nua e crua é que nem a festa do 25º livro — um número redondo, digno de faixas e fogos de artifício — chegou a acontecer. O 24º, o 23º... todos eles se enfileiraram na prateleira sem o devido copo erguido.
A música nova, que agora ecoa em todas as plataformas, também voou sem festa. E até o prêmio do Governo do Estado, que me veio em reconhecimento aos trabalhos culturais que florescem aqui na Residência Artística — uma honraria que me enche o peito e me dá um novo fôlego! — mal me permitiu um suspiro de vitória antes de mergulhar nos próximos projetos. A máquina cultural não para, e eu, sinceramente, gosto assim.
Essa é uma urgência criativa, talvez. A de não parar, a de estar sempre com o olhar no horizonte da próxima criação. As celebrações ficam para depois, para quando a poeira baixar. Mas, por vezes, esse depois nunca chega. E aí eu percebo que a verdadeira festa está no próprio fazer, no percurso, no ato contínuo de criar e compartilhar.
E, nesse turbilhão de esquecimentos e de trabalho incessante, há algo que me puxa de volta para a realidade e me obriga a brindar: o aniversário de Serra Negra. Cento e noventa e sete anos! Quase dois séculos de história para a minha cidade, um tempo que faz as minhas pequenas contagens parecerem um piscar de olhos. É um marco que se impõe, que exige o reconhecimento, a pausa.
Talvez seja essa a lição que Serra Negra me dá em seu aniversário: que, por mais que a vida me peça pressa, há momentos que merecem ser olhados de frente, celebrados com a pompa e a circunstância que o tempo e a história lhes conferem.
E que, de vez em quando, é preciso parar de contar pontos e, simplesmente, aplaudir.